Colunas
Cem colunas e meus "decertos"
Hoje é domingo, quase onze horas da manhã. Na frente do computador,
começando a escrever a centésima coluna, meu pensamento vai para o ponto
de ônibus perto da minha casa, onde um banco feito de apenas uma tábua,
sustentado por duas toras de pinho, é protegido por um telhado coberto de
sapê. Imagino meus pés fazendo marcas no chão de barro batido, um pouco
úmido ainda pelo orvalho da noite fria. Estou só, cercada por um vento
despreocupado, aquecida por uma ponta de sol e abraçada pela paisagem...,
Ah, de um verde em várias tonalidades que faz meu olhar repousar.
Este devaneio me cutuca insistentemente, querendo me dizer que é
dentro desta paisagem que escrevo a maioria das colunas. Mas por que é
exatamente um ponto de ônibus que me inspira? Talvez porque seja um lugar
de passagem e de encontro. Minhas colunas também são locais em que meu
pensamento faz trilhas, moendo ideias e abrindo caminhos, que explode tal
qual o grão de milho quando aquecido na panela.
A primeira coluna que escrevi para este jornal intitulei de MINHAS AVÓS
E MEUS ABACATES quando descrevi as causas pelas quais me fiz escritora.
Ao longo destas cem, fui me conhecendo a cada frase, a cada título. De certo,
sou imaginativa. De certo, sou uma mistura de filósofa, educadora e escritora.
De certo, sou mulher. Por estes “decertos”, fui construído a identidade de
colunista, bem chegada aos ensaios, o que revela toda esta mistura de ser
alguém.
Cada coluna foi para mim uma experiência que reuniu meus “decertos”,
essencialmente femininos. E, resolvi passar por elas, tal qual um passageiro de
ônibus que passa por tantos pontos. Todas foram feitas com ecletismo. Parece
que juntei todo o meu saber e misturei ideias, reunindo formas de perceber a
existência. Nesta forma de percorrer caminhos, encontrei tantos escritores! O
primeiro foi Mário de Andrade que se aventurou em Macunaíma e abriu os
caminhos da literatura brasileira. E, depois, o sutil Lewis Carol que através de
Alice e suas frases continua a tocar o mundo e ser atualíssimo. Por falar
superlativos, Machado de Assis, com seu inusitado personagem José Dias,
também passearam comigo. Mas não deixaria de rever os grandes escritores
do século XVI, o criativo Miguel de Cervantes e o sábio Shakespeare. Passei
pelos eternos contos de As Mil e Uma Noites e, mais uma vez, admirei os
poetas compositores de música, como os Beatles e Lenine. Parei para mais
uma vez admirar os grandes mestres, como Humberto Eco. Me curvei diante
de Fernando Pessoa e Ferreira Gullar. E, assim fui, de coluna em coluna,
rememorando amigos que fiz nos bosques feitos de palavras. Ah, como a
literatura une as pessoas!
Enfim, nestas cem colunas fui imensamente feliz. E, agora, mais ainda,
porque sou centenária. Sou decertos. Uma pessoa pouco melhor, talvez. Não
porque pesquisei, li e conversei. Ou tenha modificado minha forma de pensar.
Mas porque, como disse Reiner Maria Rilke, entrei em contato comigo mesmo,
escrevi com alma. Fui sincera.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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