Casa de sapato

segunda-feira, 03 de setembro de 2018

Depois de ter assistido a palestra da escritora Linfa Parreiras, “Desde o colo: literatura para todas as idades”, na Academia friburguense de Letras, promovido pelo Clube de Leitura, acordei, hoje, pensando no tema que iria abordar nesta coluna. Repentinamente, um título brilhou no teto do meu quarto, casa de sapato.

Passei de mais de um pequeno tempo, refletindo e tentando compreender o que aquela ideia excêntrica poderia significar. Afinal de contas, casa de sapato tem uma sonoridade gostosa, mas é completamente sem sentido, cujo significado eu precisaria desvendar.

Virei para cá, virei para lá, enquanto o sol ia crescendo no céu.

Concluí, enfim, que a leitura permite que o leitor entenda um pouco melhor deste louco mundo onde pousou, e um livro pode caber dentro de uma caixa. Aliás, uma caixa de sapato pode acolher mais de um livro, que façam o leitor viajar por longínquos lugares e sobrevoar sobre o desconhecido. Ou, talvez, que o possibilite guardar anotações. Quem sabe possa ser um local para resguardar poesias. E, certamente, reunir recortes de jornal.

Assim, chego à conclusão de que esta pequena caixa, do tamanho dos pés, seja uma casa, onde pensamentos são guardados. Não precisamos de grandes ambientes para preservar quem somos. Mas uma casa assim, pelo contrário, tem, ao menos, uma estante de livros e uma cesta de revistas, cujas portas possam ser abertas para os amigos e janelas, desferrolhadas todas as manhãs. Ah, tem espaço suficiente para danças, conversas e serenatas.

Na vida, algumas pequenas coisas têm sensatez.  

Uma casa de sapato, do tamanho de cada um, tem tetos e paredes flexíveis, a ponto de, a cada leitura, aumentarem de tamanho, desnivelarem ou ficarem, de novo, harmoniosos. Isso porque quando começamos a ler, somos de um jeito e, quando o terminamos, estamos de outro.

Esta casa não pode ser feita de cimento porque as ideias têm textura, como a dos tecidos. Não somos cobertos por eles, afinal de contas? Pele, linho, algodão, seda? Da mesma forma que os tecidos se encaixam em qualquer recipiente, como potes e malas, as ideias vão longe, fazendo o olhar mudar de direção.

Ler é preciso.

O dinheiro de um banco jamais caberá numa casa de sapato. Mas as ideias que transformam podem sair de lá.



 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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