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Bilhetes para mim
Realmente, a palestra da escritora Linfa Parreiras, “Desde o colo literatura para todas as idades”, apresentada na Academia Friburguense de Letras, no dia 31 de agosto, ofereceu-me algumas ideias interessantes. Uma fez meu pensamento abrir as asas e voar.
Ora, amigos do coração, estamos vivendo no tempo de encurtamentos. Tudo acaba sendo resumido porque a vida corre rápido demais. Tudo tem ligeireza, tal qual as telas do computador que vão passando em frações de segundos. Ah, temos tantas urgências que a cabeça da gente não dá conta. O modo como vivemos e como somos cobrados nos torna virados de cabeça para baixo; somos absorvidos no redemoinho de compromissos e afazeres diários. Então, temos que ser gestores de nossa individualidade, diariamente regida por aplicativos, pela invasão de informações e pelos celulares. Para não sermos vítimas de um paradoxo maior, que venha a contrariar mais ainda a sensatez de ser sujeito, usamos agenda. Mas eis que, aí, há um espaço de nirvana, de libertação e de paz interior. Nesta agenda, mesmo que cheia de anotações, em cada página, tem um pedacinho que nos permite escrever para nós mesmos, como pessoa amiga, conselheira ou como alguma parte de nós que nos quer dizer algo, mas não consegue ser escutada. Que seja na borda ou na lateral da página, na primeira ou na última linha. Afinal de contas, somos ou não somos os donos da nossa própria agenda? Se virtual ou material, é um espaço que temos para revelar o que bem quisermos. Ah, uma mensagem. Ora, o dia, por mais agitado que seja, sempre nos oferece uma porção de tempo para suspirarmos e para nos escondermos num canto qualquer. Por que não fazer deste tempo\espaço uma circunstância altamente saudável? Apenas porque nela, mergulhados, é possível sentir que existimos. Ah, como Descartes foi genial ao afirmar, “penso, logo existo”. Quem escreve, regista o próprio pensar. As palavras transladadas da mente para o papel ou tela do computador são a prova de que nosso pensamento se movimenta sobre a vida que temos, sobre o mundo do qual fazemos parte, sobre as pessoas que conhecemos e convivemos. Escrever é um registro essencial. As nossas mensagens, em formas de bilhetes, não podem ser aquelas ruminações que avisam sobre o pagamento de contas, horários ou qualquer alerta. Tais bilhetes, até escritos num pedaço de papel para embrulhar pão, nos ilumina. Preenchem nossos hiatos com ideias pessoais. Servem-nos de guia para que não sejamos completamente esvaziados pela agitação quotidiana ou pela modernidade líquida como tão bem disse Zygmund Bauman.
E, assim, a literatura, me acolhe agora. Se cuidar das minhas palavras que usarei nestes bilhetes, eles tocarão no mais fundo de mim. Um dia serei poeta.
PS.: Vou considerar esta crônica um bilhete que escrevo para mim. O primeiro.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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