Colunas
A academia de Platão e a casa de Salusse
Ao começar esta coluna sobre as Academias de Letras, a frase de Lewis
Carol, em Alice no País das Maravilhas, explodiu em mim:
- Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País
das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria
em insípida realidade.
Ah, a sábia Alice sempre passeia pelas minhas reflexões que, agora, me
aponta para aquela imagem em que as Academias de Letras são lugares
quase sagrados, onde os escritores se reúnem para consagrar a literatura, arte
que permeia o criativo, o sensível e o sensitivo, além de repousar nas áreas do
conhecimento em que a existência humana é definida e explicada. Os
escritores têm a capacidade de penetrarem no âmago nosso, mortais sujeitos
sujeitados, e, quando acadêmicos, vestem o manto da imortalidade.
Independentemente se acadêmicos ou não, não há quem duvide que eles
possuem a destreza para esculpirem a poderosa e delicada beleza literária. Ah,
como a literatura têm poder! Tem a magia de tocar a realidade existencial de
cada um dos viventes da sua época e das posteriores; tem a possibilidade de
transformar o mundo com palavras. Entretanto, os escritores não podem
pensar que habitam castelos de cristal. Muitas vezes, o pertencimento à uma
Academia de Letras, pelos seus rituais, processos seletivos e reconhecimento
do valor da obra do autor, causa tal impressão que acaba por ferir a essência
de um ambiente intelectual, voltado para a literatura e seu fomento.
As Academias de Letras devem ser a casa da palavra, voltada para as
pessoas de seu tempo, acima de qualquer pressuposto. Para se compreender
melhor seu sentido, quis conhecer o seu surgimento há mais de trezentos anos
antes da era Cristã, na Grécia.
A Academia de Platão teve fatos históricos que conspiraram para o
sentido que as academias possuem hoje. Fora das muralhas de Atenas,
originalmente um parque público, havia um lugar de belas árvores, alamedas,
templos, estátuas e um bosque de oliveiras dedicado à Atena, a deusa da
sabedoria. Esse lugar era chamado de Akademos ou Hekademos,
possivelmente uma homenagem a um herói grego. Daí o nome de academia.
Lá, Platão adquiriu uma área e construiu uma comunidade frequentada
por intelectuais e jovens estudantes de ambos os sexos e em diferentes níveis
de desenvolvimento, onde se prezava a liberdade, a busca pelo saber, o
ensinamento da dialética e a contemplação de ideias. A Academia de Platão
perdurou ao longo de nove séculos e foi frequentada por Aristóteles, Pitágoras
e outros filósofos, tornando-se uma escola de filosofia que até hoje influencia
as bases do pensamento moderno.
A nossa Casa de Salusse, agora completando 70 anos de atividades
ininterruptas, preserva alguns dos princípios da Academia de Platão, como a
valorização do saber, o diálogo e o fomento à cultura e aos valores éticos.
Além de fazer do seu ambiente, um espaço propício à convivência e amizade.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário