Vaticano excomunga mais um padre

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Há uns anos atrás, um bispo de Olinda excomungou toda uma equipe médica. A razão foi o aborto realizado numa menina de nove anos, estuprada pelo pai. Um parto normal ou cesáreo, nessa idade, coloca em risco a vida da criança; além dela não ter o mínimo preparo para ser mãe, o estupro é um dos casos previstos em lei para o aborto legal. O estuprador não foi sequer admoestado pelo mesmo bispo, nem recebeu a pena máxima da religião católica, o que é lamentável.

Nesse final de semana foi a vez da Diocese de Bauru oficializar a excomunhão do padre Roberto Francisco Daniel. O crime do padre — não confundir com o romance do escritor português Eça de Queiros publicado em 1875 — foi o apoio aos homossexuais e a crítica a certos dogmas da Igreja. Dessa maneira, fica o sacerdote excluído do seio da Santa Madre Igreja, sem direito a receber qualquer benefício ou pensão. O comunicado da Diocese de Bauru termina da seguinte maneira: "Rezemos para que o nosso Padroeiro Divino Espírito Santo, que nos conduz, ilumine o Pe. Roberto Francisco Daniel para que tenha a coragem da humildade em reconhecer que não é o dono da verdade e se reconcilie com a Igreja, que é ‘Mãe e Mestra’”.

Da mesma maneira que os regimes autoritários escravizam o povo, seja através da censura à imprensa seja solapando a liberdade de expressão, os ministros da fé têm de se submeter a uma disciplina rígida. Assim, suas opiniões pessoais só podem ser expressas se estiverem de acordo com as diretrizes emanadas do Vaticano. Aliás, quem não aceita essa orientação jamais deveria ser padre.

Padre Beto, como é conhecido em Bauru, é formado em Radialismo (SENAC-SP), em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru), em História pela Universidade do Sagrado Coração (Bauru) e em Teologia pela Universidade Estadual Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha. Aliás, com essa formação, deve ser muito difícil para uma pessoa enquadrar-se nos ditames e orientações de uma religião que, a meu ver, não acompanhou a evolução do homem, principalmente o do século XXI. Nos primórdios do cristianismo, onde o número de analfabetos e sem acesso aos níveis mais elementares do conhecimento se constituía na maioria, era fácil aceitar o famoso "quem tem fé não questiona, acredita e ponto final”. Nos dias de hoje, com toda a informação disponível, realmente determinados dogmas só podem ser aceitos, sem questionamentos, pelos que têm muita fé.

No entanto, é preciso que não se use dois pesos e duas medidas e que as punições sejam extensivas a qualquer um do clero, ao transgredirem o status quo vigente. Assim, a morosidade da Igreja em punir, se é que o faz, padres e bispos pedófilos é de chamar a atenção. Quando muitos são afastados do exercício do sacerdócio, mas sem a pena máxima da excomunhão. Punição muito branda para os danos físicos e morais que são infringidos a crianças e adolescentes em formação.

Jesus, que pregou antes de tudo o amor, não recriminou a "prostituta” Maria Madalena, evitando, inclusive, que ela fosse apedrejada, com a máxima perfeita: "Quem nunca pecou que atire a primeira pedra”. Será que Ele discriminaria um homossexual?

Portanto, partindo-se do princípio de que a orientação sexual é uma escolha pessoal, podemos até discordar dessa opção, mas jamais censurar ou perseguir quem não é heterossexual; menos ainda quem apoia ou defende esse segmento. Muitas vezes, tais seres humanos têm necessidade de apoio, de um ombro amigo para enfrentar a discriminação de que são alvos pela sua escolha. O papel do sacerdote é exatamente o de dar apoio a quem precisa. O que não deve é consolar de acordo com uma tabela: isso pode, isso não pode. 


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Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

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