Um país chamado Brasil

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

De acordo com os noticiários, o senador Delcídio Amaral deixou, na sexta à noite, as dependências da Polícia Federal em Brasília, mas permanecera detido, agora em prisão domiciliar. Tal benefício foi lhe concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki; a mudança de regime é apenas um detalhe, já que Delcídio continuará a responder sobre as acusações que pesam contra ele, na operação Lava-Jato.

O Brasil continua a ser um país esdrúxulo, se tirarmos o esdrú vira “xulo” (chulo) mesmo e a demonstrar a sua incapacidade, depois de 516 anos, de entrar em definitivo na galeria dos países sérios. A partir de terça-feira, pois senadores não trabalham às segundas, nosso preso ilustre poderá exercer suas funções no Senado Federal, mas desde que os trabalhos não ultrapassem as 22 horas, quando já deverá estar recolhido, em sua residência, pois no regime domiciliar não se pode sair ou trabalhar após aquele horário.

Talvez, por ser a prisão de senadores e deputados federais coisa nova, a legislação não prevê o afastamento puro e simples desses indivíduos, só retornando se a inocência for devidamente comprovada. Em tempos não muito remotos existia o recurso do recurso do recurso, além da assertiva de que todos são inocentes até que se prove o contrário; mesmo que todas as provas falem o contrário; aliás foi com esse argumento que o ministro Ricardo Lewandowski, também do STF, liberou a posse do prefeito de Teresópolis Mario Tricano, há mais ou menos 10 dias. No entanto, essa situação é uma aberração já que se trata de um sujeito eleito para representar a sociedade, tendo uma possível divida a pagar a essa mesma sociedade. Ao ter um representante corrupto, essa sociedade se torna, em princípio, compactuante com a corrupção. Aliás, a velha sensação de que lá fora éramos sempre vistos de banda, está de volta. Falou português com sotaque brasileiro e entrou numa loja, tem sempre um segurança te observando sem a mínima discrição. Para eles, em princípio, todo brasileiro é desonesto.

Delcídio, ao que parece, assinou um protocolo de delação premiada e para salvar a pele abrirá o bico e trará a tona informações que comprometerão muitos dos seus pares, inclusive o presidente do Senado, Renan Calheiros, também investigado. Imagine-se o mal-estar que reinará no recinto, quando ele começar a frequentar as sessões. Será, com toda certeza, mantido isolado como se fazia na Idade Média com os leprosos, pois o medo de ser dedurado ou ter a conversa gravada para posterior apresentação em interrogatórios, uma possibilidade sempre no ar.

Como a sensação de impunidade é uma tônica em terras brasileiras, só o tempo mostrará qual vai ser a convivência entre Delcídio e seus pares. Na quarta-feira mesmo, um procurador da República não forneceu um documento para o conhecido casal Luís Inácio-Marisa não precisar depor no inquérito sobre o tríplex do Guarujá e do sítio em Atibaia? Qual a competência que esse procurador teria para isso, não se sabe, mas no Brasil, “otoridade” manda e os simples mortais acatam, mesmo que seja um órgão público do quilate de um Ministério Público. Nesse episódio esqueceram a máxima de que quem não deve não teme. Bastava o casal ir, depor e voltar para casa. Isso causa constrangimento? Não há dúvidas que sim, mas constrangimento é apanágio apenas dos simples mortais? Não importa se é ex-mulher, ex-presidente, ex-jogador, ex é ex e pronto. O fato de ser ex-presidente não torna Luís Inácio um cidadão acima de qualquer suspeita, muito pelo contrário, exige-se dele uma conduta que o deixe sempre livre de suspeição.

 

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Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

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