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Tortura: uma agressão desmedida daqueles que detêm o poder
Volta e meia o assunto desaparecidos políticos, tortura e ditadura vem à tona despertando sentimentos contraditórios, pois vencidos e vencedores têm sempre as suas versões, defendendo seus pontos de vista com unhas e dentes. No fim das contas, quem perde é o país, pois uma mancha escura de sua história teima em não ser clareada com o pleno conhecimento da verdade.
A lei da anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, tentou acabar com a celeuma, pois partiu do princípio que forças terroristas e de segurança cumpriam seu papel, uma contrária ao regime e outra em sua defesa. Com a abertura, em que ambos os lados foram anistiados, tentou-se passar a borracha em um momento conturbado da nossa história, na esperança de pôr um fim definitivo naquele período.
No entanto, uma reflexão séria tem que ser feita porque as coisas não são tão simples assim e a roupa suja tem que ser muito bem lavada para que, no futuro, não tenhamos outros 1964 com que nos preocuparmos. A se julgar pela defesa que militares da época fazem da atuação das forças de segurança, a Gestapo era uma organização exemplar, pois seus campos de tortura e fábrica de desaparecidos se justificava pela defesa do regime. Esquecem que o Estado, antes de tudo, tem a obrigação de prover a segurança dos seus cidadãos. Não fosse isso, torturaríamos nossos presos comuns, forma mais fácil de resolvermos muitos crimes cuja elucidação definitiva, às vezes, leva anos.
Rubens Paiva é um ícone da intransigência que imperou na época, pois não era militante de esquerda, não estava ligado a qualquer movimento terrorista e, no entanto, foi barbaramente, cruelmente, torturado e assassinado (se estou exagerando, que se conte a verdade dos fatos). Não satisfeitos, seus algozes ainda se vingaram de sua família fazendo seu corpo desaparecer para nunca mais ser encontrado. Apesar de ter vivido essa época, não me lembro da menção do famoso “forno de micro-ondas”, dos traficantes de hoje naqueles dias sombrios, mas tudo é possível. Não creio que mesmo um militar por mais comprometido que estivesse com a revolução, se negaria a dar fuga a um jovem ou a uma jovem, procurada pela repressão, se eles fossem filhos de um amigo. Na realidade, a prisão de Rubem Paiva foi fruto da suposição de que ele, como homem rico, fomentaria a luta armada e que ajudava a tirar jovens do país, clandestinamente. De acordo com Stanislaw Ponte Preta, no seu famoso livro “Festival de Besteiras que assola o País”, na cidade do Recife, um casal de comunistas foi preso porque escondiam em casa perigosas armas subversivas, como um liquidificador, uma batedeira e uma enceradeira. Aliás, recomendo a leitura desse livro aos mais jovens, que é um retrato do Brasil da época e que não mudou muito, nos dias de hoje.
Mas, o que não se pode é ficar à mercê de sandices como a proferida por um general do exército à jornalista Miriam Leitão, publicada na edição do jornal O Globo de 2 de março de 2012. Perguntado se nunca ouvira falar de tortura dentro do Exército, respondeu que de acordo com fatos levantados, foram 1918 os torturados; como o tempo da luta armada foi de dez anos, com doze meses e 30 dias, teremos menos de um torturado por dia. Apenas um detalhe. Mais impressionante é que ele levanta dúvidas sobre a veracidade das torturas sofridas pela nossa presidenta e a morte de Wladimir Herzog. Só falta processar os torturados e desaparecidos por calúnia.
Essa celeuma só será encerrada no dia em que, numa grande “mea-culpa”, o governo suspender o manto que encobre até hoje as ações do passado de determinadas instituições desse país e revelar a verdade por mais dolorosa que ela seja.
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
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