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O exílio
O texto abaixo foi condensado de um artigo escrito pelo meu filho Max Moura Wolosker:
“Houve uma época em que ao andar pelas ruas de Friburgo, todos os rostos me pareciam familiares, tinha a nítida sensação de já tê-los visto. À medida que minhas visitas se tornaram esparsas, a impressão de que já não conhecia ninguém, foi se sedimentando; andava procurando, em vão, pelo rosto de alguém que eu conhecera. Mudamos tanto, nesses anos, que não seria surpresa se cruzasse com um rosto outrora familiar, sem reconhecê-lo. O tempo passa.
Ainda não me sinto um forasteiro, ando pela cidade com a mesma destreza de quem sempre viveu por aqui. No entanto, a Friburgo da minha juventude tinha um certo charme, apesar da pretensão quase arrogante de ser um enclave europeu, em pleno trópico. A autodenominada “Suíça Brasileira”, olhava por cima das terras que a cercavam, como se um infeliz acidente no espaço-tempo tivesse confinado toda uma população de descendentes dos fundadores, em terras brasileiras. Hoje, pouco resta daquele charme, a cidade foi se modificando e se tornando banal; igual a tantas outras.
O casario que a distinguia já não existe mais, sendo substituído sem a preocupação de manter uma identidade arquitetônica. Foi substituído por construções mais altas ou, o supremo horror, por áridos estacionamentos. Do campo do Friburguense Futebol Clube, somente as arquibancadas testemunham que outrora ali existira um estádio. O apertado gramado no qual a Associação Médica jogou contra o time dos artistas da televisão (quando descobri que o Saci Pererê além de ter duas pernas batia um bolão) foi removido. Deu lugar a um chão de terra batida, com centenas de vagas delimitadas por cal, onde se pode estacionar por não tão módicos quatro reais, por hora.
Os morros que moldam o vale foram, pouco a pouco, mudando de cor; deixaram de ter o verde da Mata Atlântica residual, para se tornarem predominantemente brancos. Impossível não perceber a quantidade de casas empoleiradas sobre eles, avançando ao redor da Pedra do Elefante, de tal forma que parecem destinadas a abraçá-lo por completo.
Os já tradicionais engarrafamentos do Paissandu dão a medida exata do quanto a Suíça Brasileira abandonou as pretensões de ser uma cidade europeia para se tornar simplesmente brasileira.
A Majórica fechou. A lembrança do galeto com arroz à grega e batatas fritas dos domingos, embalados em quentinhas de papel de alumínio, me fazem salivar até hoje, como um cão Pavlov, mais pela lembrança do que pelo galeto em si. Recordo-me da linguiça, que na época ainda não era cancerígena, e do único pãozinho de queijo do couvert, disputado a tapa. Mas, o melhor dessas ocasiões é quando nos davam dinheiro para comprar fichas no Pinball, o fliperama ao lado, com o intuito de se livrarem de nós para que deixássemos os adultos terminarem de jogar conversa fora.
São memórias impregnadas de nostalgia; a nostalgia que aparece quando ando pela Praça Getúlio Vargas, ainda que o corte dos eucaliptos centenários denuncie sua decadência e me faz lamentar os longos períodos de ausência forçada. Faz-me questionar se não seria possível abandonar esse exílio, como ocorreu com tantos amigos que deram um jeito de voltar.
Sinto a falta do aconchego das montanhas que protegem a cidade, trazem uma serenidade tão grande que permaneço horas a contemplá-las. Sinto falta do silêncio, do frio que nos leva para debaixo das cobertas, um convite ao sono profundo. Sinto falta do cheiro da madeira queimando na lareira, nas noites de inverno; do tédio; do reclamar não se ter nada para fazer nessa droga de cidade; de voltar a pé para casa, aos sábados à noite, pois os ônibus paravam de circular às 23 horas, depois de mais uma noite em que não fiquei com ninguém na boate do Country. Vagar pela cidade desperta a nostalgia de quem eu fui: jovem, cheio de sonhos, cheio de certezas.
A mesma nostalgia que me faz correr para o La Bamba e seu tradicional canelone real, sempre que posso passar uns dias em Friburgo; que me faz subir o teleférico para contemplar a cidade do alto; subir o Pico da Caledônia. A mesma nostalgia que me faz correr pelo Vale dos Pinheiros, só para passar diante do Park Hotel e despertar as lembranças dos almoços de domingo sobre seus pilotis de madeira. Aliás, o seu destino parece ser o mesmo da casa ao lado do Tiro de Guerra, ou aquela em frente à antiga Rodoviária ou mesmo à do final da Praça, que deu lugar ao shopping: o abandono, o esquecimento, a ruína.
A distância se tornou longa demais para um simples fim de semana. As visitas continuarão esparsas e o exílio também não será interrompido. Meu salário atual é incompatível com o perfil econômico da cidade, ainda que eu tenha dificuldade em compreender qual é esse perfil.
Só a nostalgia permanecerá, aquela que vem à tona toda vez que vejo a placa verde, em Theodoro de Oliveira, informando: Altitude 1079 metros.”
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
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