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Mortes previsíveis numa cidade sem comando
No último dia 8 a cidade do Rio de Janeiro, mais uma vez, foi assolada por uma tempestade sem precedentes. Da zona sul à zona norte e oeste, a destruição foi impressionante, deixando a capital fluminense completamente parada, à mercê das forças da natureza. E o que é mais grave, com as autoridades sendo pegas de surpresa, sem condições de avisar com antecedência a população. A evacuação dos locais de risco ficou comprometida e muitas mortes ocorreram, mas que poderiam ter sido evitadas, principalmente, se as sirenes de alerta tivessem sido acionadas horas antes.
Na zona sul, a Avenida Niemeyer mais uma vez teve o trafego interrompido por deslizamento de barreiras do morro do Vidigal e a ciclovia Lagoa-Barra foi arrastada e com trechos destruídos, pela água e lama. O túnel Dois Irmãos, que dá acesso a São Conrado também teve de ser fechado, assim como a estrada Grajaú-Jacarepaguá. Assim, o acesso à Barra da Tijuca ficou restrito à Linha Amarela, que amargou um congestionamento monstro.
Mas, o pior aconteceu no complexo da Muzema, zona oeste do Rio. Na última sexta feira, 12, dois prédios desabaram e até a noite de domingo 14, dez mortes já tinham sido contabilizadas, nos trabalhos de busca nos escombros da obra. Aliás, o complexo da Muzema é um retrato do que de pior existe, em termos de péssima administração, na capital do estado. Verdade seja dita que a culpa não é só do atual prefeito,Marcelo Crivella, mas de todos que por ali passaram, inclusive do governo estadual.
A Muzema está sob o domínio das milícias, um grupo de marginais composto por grupos paramilitares formados por policiais, militares, agentes penitenciários, e civis, que exploram ilegalmente vários negócios, como venda e distribuição de gás engarrafado, galões de água, sinal de televisão a cabo clandestino, venda de drogas, e grilagem de terrenos. Além da grilagem, partiram para a construção de casas e edifícios, a maioria sem aval da prefeitura, portanto, irregulares. Sem engenheiros responsáveis pelas obras, sem o alvará de construção em si, a fiscalização é inexistente e o risco de edificações sem nenhum acompanhamento profissional, total. Sem falar nos cálculos estruturais, com toda certeza, inexistentes.
As milícias vivem à margem da lei e, o que é pior, impedem que a fiscalização se faça presente, pois o grau de intimidação não se restringe apenas aos moradores. Na realidade é um “governo” à parte, mas que “funciona”, pois não tem a burocracia que atravanca a vida da população, em geral. O preço do imóvel é mais barato, no entanto, sem a garantia de que possa ficar de pé por muitos anos. No caso atual, que nem castelos de areia, dois desabaram no contato com as águas e três estão interditados.
O mais grave é que junto com a inércia do Poder Executivo, soma-se a incúria do Poder Judiciário. Não devemos esquecer, jamais, que esses edifícios foram embargados pela prefeitura, com ordem de demolição assinada. Aí, veio uma contra ordem de desembargadores da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, impedindo a demolição, mas mantendo o embargo. Mas, em se tratando de uma área controlada pela milícia, quem executa a ordem de despejo?
O grau de impunidade é tal, que antes da conclusão das obras, vem o sinal verde para a ocupação dos imóveis. Isso porque sabedores de que o “habite-se” jamais será concedido, o despejo torna-se quase impossível, dada a morosidade da justiça.
Chuvas fortes, no município do Rio de Janeiro, sempre existiram e existirão, mas o índice de mortalidade dessas catástrofes poderia ser minimizada, se a dita Cidade Maravilhosa não contasse com um bando de amadores brincando de profissionais.
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
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