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Monde e imprensa francesa alardeiam notícia falsa
A imprensa pouco séria não é um apanágio do Brasil, com jornalistas despreparados sendo uma constante no mundo inteiro, seja em países desenvolvidos ou não. Aqui na França, onde estou em viagem, o conceituadíssimo Le Monde estampou em sua página principal a prisão de Xavier Dupont de Ligonès, no aeroporto de Glasgow, Escócia. Ele era procurado pela polícia francesa desde 2011.
No início de abril daquele ano, cinco membros da família Dupont de Ligonès foram assassinados, em sua casa, na cidade de Nantes, departamento de Loire-Atlantique. Agnes, a mãe, Arthur, Thomas, Anne e Benoìt, seus filhos, foram mortos com dois tiros na cabeça, sendo que Benoìt ainda recebeu uma bala, no tórax. Seus corpos foram embalados em grandes sacos pretos, preenchidos com cal para acelerar a
decomposição e enterrados no jardim. Em 23 de abril, eles foram descobertos pela polícia e uma busca na casa, mostrou um imóvel completamente vazio. O pai, Xavier Dupont de Ligonès foi visto pela última vez no dia 15 de abril, numa cidade não muito distante de Nantes e nunca mais se teve notícia dele.
Várias hipóteses vieram à tona além da suspeita pura e simples de um assassinato cometido por Xavier. Uma delas dizia que eles teriam se mudado para a Austrália; outra de que Xavier era um agente americano, em solo francês e após ter sua identidade descoberta, voltou para os Estados Unidos, com a família. Essas duas últimas ganharam corpo porque a polícia descobriu a compra, pelo chefe da família, dos
sacos pretos, de sacos de cal e de uma enxada e uma pá, como se houvesse a intenção de dificultar a identidade dos cadáveres.
Mesmo sem o sensacionalismo dos primeiros dias, quando um número grande de policiais e detetives tentava elucidar o ocorrido e prender Xavier, o caso permanece em aberto, a fim de que não seja mais um crime sem solução. Eis que na última sexta feira, 11, a polícia francesa recebeu a informação de que um homem suspeito de ser Xavier de Ligonès embarcaria numa avião, no aeroporto Charles de Gaulle, em
Paris, rumo a Glasgow.
Essa informação foi passada para a polícia inglesa e o suposto assassino detido
quando desembarcou na Escócia. O exame datiloscópico feito pela polícia de Glasgow confirmou ser o detido, Xavier de Ligonès. Um policial encarregado do caso, na França, recebeu o relatório e de imediato ligou para a redação do Le Monde, dando a informação. Segundo o jornal, foram feitas consultas a algumas fontes e a notícia saiu em primeira mão, no site do jornal, sendo publicada por vários outros jornais
franceses de renome.
Só que fake news existe não importa onde e, pouco a pouco, a verdade começou a ser esclarecida. Na Escócia, bastam cinco coincidências, num total de 13, para que uma comprovação de impressão digital seja aceita. Na França, são necessárias 11. Além disso, um exame de DNA inocentou em definitivo o suposto criminoso, que foi liberado logo em seguida. Houve também relatos de testemunhas que afirmaram serem
vizinhos da pessoa detida e que ele não era nada daquilo ou de que ele ia com frequência à Escócia, pois ali se casara. Ao Le Monde não restou publicar um desmentido e pedir desculpas aos seus leitores.
Na realidade aqui ficou demonstrado que os ensinamentos dos bancos universitários nem sempre são respeitados, pois o que importa é a notícia em primeira mão. Tivessem os redatores um pouco mais de perspicácia teriam difundido o seguinte: “Suspeita-se de que homem detido no aeroporto de Glasgow, Escócia, seja Xavier Dupont de Ligonès”. Ao afirmarem, com certeza, de que era o próprio, difundiram uma
“barriga” (notícia falsa no jargão da imprensa), de um obeso de mais de 100 quilos.
Na realidade o suposto criminoso tem a faca e o queijo na mão, para exigir uma gorda indenização da imprensa francesa, e o mistério que envolve a morte dos cinco membros da família Ligonès e o sumiço de Xavier, permanece uma incógnita. Fica também o alerta de que os leitores deverão comprovar a veracidade de uma notícia, antes de acreditarem nela. É uma inversão de valores, mas é a realidade.
Max Wolosker é médico e jornalista. Escreve neste espaço às quartas-feiras.
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
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