Final de um ciclo

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Hoje, quarta-feira, 29 de abril de 2015, é um dia muito especial para mim, pois finalizo mais um ciclo da minha vida, ao cerrar em definitivo as portas do meu consultório. “Descalço as chuteiras”, como se diz no jargão do futebol, após quase 41 anos de exercício pleno da arte de ser médico. Formado em 1974, pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, permaneci no Rio de Janeiro até 1976, e após a conclusão do meu curso de especialização em Endocrinologia e Medicina do Trabalho subi a serra, onde efetivamente comecei minha carreira, em janeiro de 1977. 
Ao longo desses anos fui plantonista do Pronto Socorro do saudoso Hospital Santo Antônio, médico efetivo do setor de Clínica Médica desse mesmo hospital, trabalhei no Sindicato dos Bancários e no Sindicato dos Metalúrgicos, pertenci ao quadro de médicos do Sesi durante quase vinte anos e, como funcionário público, atuei no antigo ambulatório do Inamps (Instituto Nacional de Medicina e Previdência Social) e, a partir de 1992, na Perícia Médica do INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social), da qual me aposentei, em 2009.
Após tanto tempo de trabalho e dedicação ao próximo e ao que ele tem de mais precioso, a sua saúde, senti ter chegado o momento de parar e dar outro rumo a minha vida; além do mais, o ser médico ficou mais complexo e menos atrativo. Com o advento da internet e da informação on-line, as novidades passaram a chegar muito mais rápido, o que levou os médicos de ponta a buscarem uma atualização constante seja no estudo diário, seja na presença contínua em simpósios e congressos. Isso demanda tempo e dinheiro. Por outro lado, os salários encolheram, obrigando os médicos a terem vários empregos, o que deixa menos tempo para o aprimoramento e os condena a uma jornada desgastante. A consequência mais imediata disso é uma queda acentuada na qualidade do serviço prestado, ou seja, menos tempo com o doente, uma anamnese (investigação obrigatória para se tentar descobrir qual doença acomete o paciente) malfeita com o consequente exagero no pedido de exames complementares, muitos deles sem justificativa. Isso gera um gasto financeiro desnecessário, levando os planos de saúde a tentarem reajustes frequentes sob o risco de quebrarem por não terem como pagar por uma demanda exagerada. Quando mal administrados quebram em definitivo. Sem falar que o preço elevado cobrado dos usuários na maioria das vezes não é compensado por uma medicina de alto padrão.
Não vejo como esse quadro possa mudar no curto prazo, pois mesmo os órgãos de classe, como sindicatos médicos e o próprio CRM, não se engajam como deveriam na defesa do médico e da profissão médica. Por outro lado, as autoridades só se lembram da saúde do cidadão nas eleições, quando prometem mundos e fundos, sabendo de antemão que não as cumprirão. Saúde pública tem custo alto e as necessidades de nossos governantes são outras, daí os recursos disponíveis serem sempre desviados para “outras prioridades”. Só não entendo como os nossos eleitores ainda acreditam nessas mentiras e reelegem os mesmos sacripantas entra eleição, sai eleição. Mais parece a boiada a caminho do matadouro.
Gostaria de agradecer aos meus pacientes, aqueles que me procuraram e em mim confiaram nesses 38 anos de exercício da profissão em Nova Friburgo; saibam que foram vocês que me deram o incentivo para crescer na profissão e trabalhar em prol da manutenção de uma boa qualidade de vida, mesmo naqueles portadores de doenças crônicas onde isso nem sempre é possível; gostaria de agradecer aos meus colegas, que ao longo desses anos foram importantes não só pela amizade, mas pelo apoio quando necessário, na busca pela resolução dos males que são concomitantes em muitas doenças, e sobretudo a minha família, muitas vezes sacrificada em função da minha atividade.
Agradeço a Deus por ter me deixado chegar onde cheguei, ainda com saúde para desfrutar de um descanso mais do que merecido; mas a vida continua e tentarei, como jornalista, manter a mesma garra que mantive com médico.

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Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

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