Carta aberta ao governador do Rio de Janeiro

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Recebi, por e-mail, essa carta e resolvi publicá-la em minha coluna, pois é o desabafo da médica Maria Isabel Lepsch e que explica, em muito, a falência da saúde pública no Brasil:

“Sabe governador, somos contemporâneos, quase da mesma idade, mas vivemos em mundos bem diferentes. Sou médica, pediatra, deprimida e indignada com as canalhices que estão acontecendo. Não conheço bem a sua história pessoal e, com certeza, o senhor não sabe nada da minha.

Fiz um vestibular bastante disputado; tive a oportunidade de frequentar a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, hoje esquartejada pela omissão e politiquices do poder público estadual. Fiz treinamento no Hospital Pedro Ernesto, hoje vivendo de esmolas emergenciais em troca de leitos da dengue.

Parece-me que o senhor desconhece esta realidade, o seu terceiro grau não foi tão suado assim. Aprendi medicina em hospital de pobre, trabalhei muito sem remuneração em troca do aprendizado. Ao final do curso, nova seleção, agora, para residência. Sempre fui doutrinada a fazer o máximo com o mínimo. Muitas noites sem dormir e, posso garantir, não foram em salinhas refrigeradas costurando coligações e acordos para o povo que o senhor desconhece o cheiro ou choro, em momentos de dor.

No início da década de noventa fui aprovada num concurso para médicos da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. A melhor decisão da minha vida, da qual não me arrependo, foi abandonar este cargo. Não se pode querer ser Dom Quixote, herói ou justiceiro. Dói assistir à morte por falta de recursos. Dói, como mãe de quatro filhos, ver os filhos de outras mães não serem salvos por falta de condições de trabalho. Fingir que trabalha fingir que é médico, estar cara a cara com o paciente como representante de um sistema de saúde ridículo; ter a possibilidade de se contaminar e se acostumar com uma pseudomedicina é doloroso, aviltante e uma enorme frustração.

Aprendi em muitas daquelas noites insones tudo o que sei fazer. Sou médica porque gosto, pediatra por opção e convicção. Não me arrependo, prometi a mim mesma fazer o melhor. Mas é um deboche, numa cidade como o Rio de Janeiro, num estado como o nosso, assistir a políticos como o senhor discursarem com a cara mais lavada de que este é o momento de deixar de lenga-lenga para salvar vidas. Que vidas, senhor governador? Nas UPAs? Tudo fachada para engabelar o povão!!!

Por amor ao povo o senhor trabalharia pelo que o senhor paga ao médico? Os médicos não criaram os mosquitos, os hospitais não estão com problema somente agora; não faltam especialistas. O que falta é quem queira se sujeitar à triste realidade do médico do SUS para tentar resolver emergencialmente a omissão de anos.

A mídia planta terrorismo no coração das mães que desesperadas correm, a qualquer sintoma inespecífico, para as urgências... Não há pediatra neste momento que não esteja sobrecarregado. Mesmo na medicina privada há uma grande dificuldade em administrar uma demanda absurda de atendimentos em clínicas, consultórios ou por telefones. Todos em pânico. E aí vem o senhor com a história do lenga-lenga.

Acorde governador! Hoje o senhor é poder executivo. Esqueça um pouco das fotos com a presidenta e mãe do PAC, esqueça a escolha do prefeito, esqueça a carinha de bom moço consternado na televisão. Faça a mudança. Execute. ‘Lenga-lenga’ é não mudar os hospitais e os salários. Quem sabe o senhor poderia trabalhar como voluntário também? Venha sentir o stress de uma mãe que não pode faltar ao trabalho para cuidar de um filho doente. Venha preparado porque as pessoas estão armadas, com pouca tolerância, em pânico. Quem sabe entra no seu nariz o cheiro do pobre, do povo, e o senhor tenta virar o jogo.

A responsabilidade é sua, governador. Afinal, quem é, ou são os vagabundos, governador?”

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Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

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