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Ainda sobre o atentado ao semanário Charlie Hebdo
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
As manifestações por todo mundo e a presença de 4,5 milhões de pessoas na capital francesa no domingo passado são a maior prova do repúdio do mundo ocidental contra a barbárie que é característica dos movimentos radicais do mundo árabe. Da mesma maneira que não se pode generalizar e considerar todo árabe um fanático em potencial, também não se pode negar as organizações radicais como a Al-Qaeda e outras espalhadas por alguns países do mundo árabe, sobretudo aqueles com índice de analfabetismo e pobreza extremos. São os mesmos que impõem o terror aos seus habitantes e cobram obediência cega aos valores do profeta Maomé, segundo a interpretação dos seus obtusos líderes religiosos. Aliás, os não obtusos também têm sua parcela de omissão ao não repudiarem em público atos como o a condenação por apedrejamento da iraniana Sakineh Mohammadí Ahstiani, por possível adultério; isso em pleno século XXI. São atitudes como essa que aumentam a islamofobia no mundo inteiro.
No entanto, é preciso que tenhamos muito cuidado ao abordar esse acontecimento, considerando todas as variáveis no atentado de quarta-feira última, na Praça da República, na capital francesa. Em primeiro lugar, a França é o país europeu que detém a maior comunidade árabe, cerca de 10% de sua população; isso se deve a sua ocupação, principalmente, na Argélia, no Marrocos, no Saara Ocidental e na Tunísia. A diferença abissal entre o nível cultural, educacional no que se refere a hábitos e costumes religiosos criou inúmeros problemas e aprofundou essas diferenças. O resultado disso foi o isolamento desse segmento da população, que passou a viver em bairros exclusivos, onde o francês não é a língua dominante, seguindo seu "modus vivendi”, sem, em contrapartida, a absorção da cultura ocidental ou a adoção de suas características. Verdadeiros bolsões dentro de um país cuja cultura foi exportada e assimilada por outros países ocidentais e mesmo orientais. Esse comportamento aprofundou ainda mais as diferenças entre os franceses e os árabes; gerou desconfiança de parte a parte e uma recusa da sociedade em promover uma integração com esses cidadãos considerados de segunda classe. A bem da verdade, nunca houve por parte dos árabes uma vontade absoluta em adotar a cidadania francesa integral, talvez mesmo em função das diferenças religiosas. Para se ter uma ideia do alcance dessa afirmativa, muitos dos que chegaram na França a partir dos anos 60 só conhecem o seu idioma natal.
Em segundo lugar, e aqui o terreno é mais para areia movediça do que terra firme, está a propalada liberdade de imprensa e a sátira como uma forma de abordagem à crítica política, social ou religiosa. É claro que a imprensa tem de ser livre, se não ela perde a sua razão de ser; mas ser livre não significa ser irresponsável. Um conhecido cartunista argentino, para chamar a atenção sobre a discriminação da comunidade LGBT no seio da igreja católica, logo da entronização de Francisco I como papa, retratou-o de brincos, batom e uma postura "gay”. Um ato puramente deselegante, grosseiro e irresponsável. A edição do Charlie Hebdo após o atentado de Paris mostra Maomé com as feições tristes e chorando. Uma sátira elegante com o subtendido de que até o profeta rejeitaria os atos que muitos jihadistas cometem em seu nome. Nós, do mundo ocidental, não seguidores do islamismo, não temos de seguir os seus preceitos, como o de ser proibido retratar seu líder maior. No entanto, charges debochadas ou comentários pejorativos são altamente condenáveis, estopim para reações mais condenáveis ainda.
Deus é um só, o seu ensinamento maior também único. Mas como a humanidade comete idiotices em seu nome! Duvido que Ele aprove qualquer um desses atos irracionais em sua defesa.
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
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