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Slogan, eu quero um pra viver!
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Parafraseando Cazuza em "Ideologia”: Slogan, eu quero um pra viver. Slogan é uma frase de efeito que busca sintetizar a essência daquilo que uma empresa faz ou promete entregar, ou ao menos espera que você aceite e deseje. Esta palavra é oriunda da expressão usada por clãs no passado para inspirarem seus combatentes em suas guerras. O fato é que a guerra mudou pouco nestes muitos milhares de anos que se passaram; os soldados continuam morrendo e os generais fazendo os acordos.
De volta ao presente, é cada vez mais comum vermos muitas empresas adotarem slogans em inglês. Grandes exércitos de marcas e produtos adotam um conceito de uso mundial da marca — cada vez mais marcas estão unificando seus slogans para e no mundo, não mais para o país onde esta comunicação está sendo veiculada.
A Nike anos atrás adotou o "Just do it” e começou a usar para todo lado. Aos poucos novas marcas estão fazendo o mesmo. Marcas de carro, que presumem ter um nível melhor de consumidores, apostam cada vez mais em slogans em inglês e usam cada vez mais em todos os seus materiais, sejam eles TV, folheteria ou jornal.
Como brasileiro não tenho nenhuma vocação ufanista. Acho que buscar em cada cultura o que ela tem de melhor é uma sabedoria. Assim não acho errado o uso de expressões ou palavras em outros idiomas, fato inclusive comum em diversos lugares do mundo. Mas num país onde não se fala a língua materna direito, tem gente demais querendo falar inglês.
O fato é que quase todas as cabeças que comandam os pés que calçam os Nikes não fazem ideia do que significa o "Just do it”. A enorme maioria de pessoas que usam roupa da moda escrita em inglês não faz ideia do que exibem em suas camisetas. Como especialista em marketing, tenho o hábito de questionar e analisar decisões de consumo, e já peguei muita gente boa com camisas que contrariam seus próprios valores.
O que se conclui, de modo geral, é que a comunicação não acontece apenas pelas palavras, através de seus significados objetivos, mas pela representação que ostenta, e aí sim, nossa cultura tupiniquim, vocacionada para idolatrar os estrangeiros desenvolvidos (vamos combinar não somos igualmente gentis com os sul-americanos como somos com europeus e norte-americanos), aceitamos docemente qualquer bobagem escrita em inglês, qualquer slogan em inglês. Soa chique escrever music, mas música fica bobo. Webstore fica show, mas loja de internet fica cafonérrimo. Esteja preparado para ser ridicularizado para chamar seu tablet de tablete, por exemplo.
O fato é que as grandes marcas definiram sua estratégia global de comunicação mirando uma padronização e acertaram numa cultura que venera o estrangeiro, que entende que, mesmo sem entender, parece bem melhor deste jeito.
Os reflexos são alunos e mais alunos estudando inglês; mesmo que muitos jamais vão precisar do idioma e muitos outros jamais vão aprender. Fórmulas mágicas que prometem resultado em 12 ou 18 meses estão espalhadas por todo lado. A cultura do urgente alcançou o ensino. Ensino formal também, onde escolas ditas tradicionais agora vendem conceito de bilíngues mesmo sem apresentar qualquer conteúdo formal em inglês (fato obrigatório para ser bilíngue).
O desespero é que boa parte destes seguem sem saber português, sua língua materna, não entendem, não interpretam, não escrevem e não leem. O que dizer da universal matemática? Dividir é um mistério e percentual é algo inexplicável. Seguem sem estudar lógica ou filosofia, que podem resultar em oportunidades muito mais importantes para formação de uma pessoa, de pessoas que sejam novamente capazes de duvidar de slogans e construir seus próprios lemas, de lutar suas próprias guerras, de escolherem seus próprios clãs.
O processo de "idiotização” interessa ao consumo e estamos perdendo essa batalha. O conceito vai à exata direção do "Just do it”. Não pergunte, não questione, não duvide: Just do it!
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.
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