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Sem fio e sem pressa
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Uma contradição interessante dos dias de hoje é que estamos cada vez mais cercados de pessoas, cada vez mais conectados a todos e cada vez mais solitários. Vivemos com acesso a redes sociais, aplicativos de mensagens instantâneas e com acesso a comunicação por voz, vídeo e texto, e seguimos cada vez com menos tempo.
Parece que ter todos e todas as formas de comunicação ao alcance dos dedos tem nos afastado cada vez mais de uma vida com mais qualidade e mais profundidade.
E parece que não são somente nossos dias que estão piores: os negócios sofrem com isso também.
Um caso emblemático aconteceu em Nova York, neste ano, em um restaurante popular e com muitos anos de mercado e grande experiência. Ele começou a experimentar perdas em suas receitas e não conseguia descobrir o que estava acontecendo.
Com a ajuda de um especialista de marketing (tinha que ser um cara de marketing, é claro! risos), perceberam que o número de clientes não havia subido, mas se mantido; porém, o serviço estava cada vez mais lento, mesmo com mais funcionários e com a redução do cardápio. Reclamações surgiam dos clientes que tinham que esperar por uma mesa, não pelos clientes em atendimento. Os números históricos do restaurante não davam pistas evidentes do que acontecia, então recorreram aos sistemas de vídeo do restaurante, buscando ver comportamento de funcionários.
Para o estudo, compararam vídeos de dez anos atrás com atuais. A performance do restaurante parecia a mesma no que se referia a quantidades de clientes, confirmando a integridade dos números, então o que estava acontecendo?! Quando se foi ver o número de pedidos de mudanças de mesas, esses haviam quase triplicado. O tempo para o pedido ao garçom havia subido de oito para 21 minutos e o tempo de uso do garçom para assuntos que não se referiam ao serviço nato subiu de zero para cinco minutos em média.
Por que tantas mudanças? Tudo graças à Internet. Pedidos de mudança de mesas, adiamento no pedido e os cinco minutos com o garçom se deram em função de dificuldade de sinal de Internet, uso do celular antes de olhar o cardápio e dúvidas na conexão Wi-Fi, respectivamente.
E os problemas não paravam por aí: quanto mais complexo o pedido, mais os clientes pediam ao garçom para tirar fotos, e muitos novas fotos, pois não haviam ficado satisfeitos com a foto inicial, e ainda tiravam selfies, o que atrasava o tempo na mesa em mais sete minutos em média, mais atrasos e reserviços causados por pedidos de reaquecimento de pratos na cozinha, devido ao tempo perdido com fotografias, análise e postagens.
Terminada a refeição, os clientes gastavam em média mais 20 minutos na mesa com seus dispositivos, tempo que não era gasto dez anos antes, quando não havia distrações no restaurante, e em média mais 15 minutos após o pagamento da conta.
E engana-se que paravam aqui os atrasos e problemas; dos 45 clientes analisados, 8 ainda trombaram com mesas, garçons ou clientes enquanto saíam do restaurante, pois digitavam enquanto caminhavam, gerando perdas e desgastes.
Deste modo, o tempo médio subiu de uma para duas horas, reduzindo drasticamente o giro sem gerar incremento na receita. Tudo por razões aleatórias à gestão.
Assim, esse caso não é uma resposta ao dilema comum em alguns estabelecimentos sobre colocar ou não um serviço de Wi-Fi para seus clientes, mas um alerta sobre a necessidade de adaptar-se à tudo isso e gerar controles sobre os impactos das mudanças de comportamento sobre a gestão dos negócios.
Clientes sem fio e sem pressa podem gerar fornecedores sem dinheiro e sem futuro. Mais um problema para gerenciar. Vou digitar no Google e procurar uma resposta...
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Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental, professor titular da Ucam e sócio da Target Comunicação
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