Produtos ruins

quinta-feira, 28 de março de 2013

Que vivemos na ditadura dos produtos substituíveis não há mais dúvidas, foi-se o tempo da vovó, aonde geladeiras e fogões teimavam em funcionar, contra todas as vontades de se trocar, contra todas as modas de cores, formatos ou recursos. 
Pobre vovó teve que usar coisas que ela não gostava, ou não gostava mais, simplesmente porque elas não quebravam, não criavam um álibi capaz de gerar a compra do novo, os tempos mudaram, nós mudamos e os produtos mais ainda, mas definitivamente mudaram demais.
Vovó casava com a geladeira, era tipo: até que a geladeira os separe! Haja paciência.
Começo a crer que mamãe foi bem mais feliz. Mais feliz que vovó e mais feliz que nós! Mamãe tinha o direito de escolher, tanto o marido não dispunha de superpoderes mais, como ela já tinha o dinheiro para comprar, através do direito de trabalhar e ocupar seu espaço. Tempos diferentes trouxeram produtos diferentes, menos duráveis, mamães de uma geração atrás tinham mais escolhas, mais direitos, mais rotatividade de produtos se comparado com vovó. 
Diante da vida reduzida dos produtos, da crescente inflação sobre o custo da mão de obra e da urgência de se usar os produtos, trocas assumiram o papel do que antes eram consertos e as geladeiras passaram a durar quase tanto como os casamentos, assim, em uma bodas de prata o casal estava na segunda ou terceira geladeira de suas vidas.
E agora? Agora as geladeiras duram tanto quanto os casamentos, três ou quatro anos, o que facilita o divórcio ou anulação, pois evita a briga fútil e superficial dos casais num momento que já não é dos mais agradáveis. Tanto faz quem fica com o que dos eletrodomésticos do casal, afinal está tudo pronto para quebrar como em uma tragédia anunciada. 
Mantida a média de perda de qualidade, a qual os produtos vêm sofrendo, em breve na separação o casal para se vingar do outro, vai obrigar o outro a ficar com os eletrodomésticos. Imagina a noiva, que fora abandonada no altar, dizendo para o algoz:
- Bem que mamãe falou... também você vai ver, o microondas vai ficar para você! Eu vou te F...
E ele responde: - E você com a geladeira...
A frase forte será seguida de um riso sarcástico e ele vai embora, e ela sai chorando desesperada sofrendo mais do que quando se viu abandonada no altar imaginando ficar com a geladeira!
Os produtos estão excedendo o conceito de substituíveis e assumindo a posição de ruins, inadequados ao uso, incapazes de cumprir as necessidades para as quais foram compradas. 
Eletrodomésticos estão tornando-se absurdamente caros considerando a fraqueza de seus projetos e peças. A necessidade de recompra está ultrapassando qualquer desejo de novidade e renovação do guarda-roupas culinário e saindo da opção de quem compra para a quem vende, ou seja, trocamos por que quebra, não por que enjoamos, e quebra bem antes do desejado.
Espero que a geração que chega para o consumo tenha a sorte de conseguir produtos que respeitem o calendário primavera verão da cozinha, mas que permitam que os eletrodomésticos consigam chegar ao final do campeonato brasileiro ou de uma novela da Globo; sorte que não tive com um multiprocessador recém comprado e já descartado ao lixo. 
Outro aspecto que espero que seja recuperado pelas empresas é o tratamento junto aos consumidores. As empresas ainda investem muito mais em ações de promoção de vendas e propaganda do que em relacionamento com clientes, não que as verbas devam ser diminuídas nas ações no mercado, mas certamente devem ser ampliadas no quesito relacionamento, que foi a segunda péssima experiência com a marca que tive em menos de dois meses. Eu “philco sem o produto, mas “philco” com a certeza de que não compro nunca mais essa marca.

Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação

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