Parcelar ou não parcelar: eis a questão

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O que diria Shakespeare nos dias de hoje diante de tanto consumo, frente à tamanha facilidade no comprar e tamanha dificuldade no pagar? 

Shakespeare disse certa vez: "Eu aprendi que tudo o que precisamos é de uma mão para segurar e um coração para nos entender”. Mas, certamente, hoje diria que não se pode abrir mão de um carro para levar, um celular para falar, uma roupa para pertencer, etc.

Se ele citava o amor como uma criança que deseja tudo o que vê, mas nem sempre podia ter; o que diria sobre tantos consumidores compulsivos que compram sem limite, sem ter como pagar, sem ter como sequer usar?

No país recordista dos juros, o cartão de crédito bate recorde seguidamente, e sobe pelo décimo terceiro mês seguido e atinge exatos 238% ao ano. O medo do calote e a pressão pelo parcelamento empurram os juros, e o consumo retrai, e vai retrair mais. O que será de nós?

O próprio Shakespeare, como bom sabedor que sempre foi, já mencionava que "palavras não pagam dívidas”, então, o consumidor está mesmo exposto e ameaçado pela incapacidade de quitar suas dívidas.

A economia nos últimos anos (muitos últimos anos) cresceu baseada na ampliação do crédito, o que significa que o mercado está alavancado, como se diz na gíria do mercado, ou seja, muito dinheiro que não existe está pagando o que se consome. Carros em 60 meses, casas em 240, liquidificadores em 12 vezes e bombons em três vezes ocupam a capacidade futura de compra e dá cheque no sistema, quando as consequências de uma retração econômica assumir posição, o emprego será ameaçado, assim a capacidade de cumprir as prestações também, e então o calote vai chegar, quem estiver emprestando seu próprio capital de giro vai sofrer e, os bancos sorrir.

Shakespeare mencionava que "quando o dinheiro vai à frente, todos os caminhos se abrem”, mas ele começa a ratear, nada de estruturante foi construído no Brasil, os bancos nunca ganharam tanto dinheiro, dinheiro que é roubado do consumo na forma de juros embutidos ou juros assumidos.

Parece que nestes exatos 450, de seu nascimento até hoje, o mundo mudou muito e certamente muitos de seus pensamentos teriam que ser mudados. Se aquele tempo em Hamlet havia algo de poder no reino da Dinamarca o que ele diria do nosso Brasil?

Nossas mazelas estão por nos encarar, o consumo está caro demais, impostos absurdos de alto não geram benefícios ao estado, apenas ao poder, o consumidor paga por produtos que lá fora custam bem menos e são melhores, o crédito é proibitivo e a única estrada por se seguir, e o muro se aproxima. 

Se a sabedoria e a ignorância se transmitem como doenças, daí a necessidade de se saber escolher as companhias, parafraseando Shakespeare, a poupança e o endividamento também mantêm esse mesmo comportamento. Para o brasileiro médio comprar parcelado parece ser um padrão comum em todo o planeta, mas não, o padrão é poupar e comprar, padrão que dá dinheiro para o mercado se financiar em infraestrutura e que dá ao consumidor mais poder e valor ao seu dinheiro e, portanto trás um comportamento mais responsável e menos superficial.

Fechando com Shakespeare, ele dizia: "Todos podemos controlar a dor exceto aquele que a sente”, parece que no consumo vamos pelo mesmo caminho, exceto quem compra parece poder resistir e controlar sua fatura do cartão de crédito, mas não duvide, já, já a dor do rotativo estará por toda parte, adiando parcelas da escola, do condomínio, da prestação do crediário informal, pois a 238% ao ano, a prioridade será sempre o amigo de plástico. Afinal, "existem mais coisas entre o céu e a terra só que sonha nossa vã filosofia”.


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação 


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