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Pais culpados, filhos mimados
Vivemos uma ciranda onde cada vez mais precisamos trabalhar, porque as possibilidades de consumo cada vez mais se ampliam. Diante do aumento de coisas possíveis para serem compradas, maiores são nossos desejos, e quanto mais desejos, mais dinheiro precisamos, e na busca por mais dinheiro, menos tempo temos para usufruir daquilo que desejamos e de quem desejamos. Assim, filhos são adiados em tempo e em acesso, e por serem cada vez menos presentes, pais entregam cada vez mais presentes. É uma troca por um tempo indisponível.
Vivemos a contramão do LP. Somos um disco girando cada vez com mais rotação, cada vez mais rápido, com repertório cada vez menor e de pior qualidade. Repetimos uma música monótona que cantam por todos os lados, uma música que ajuda a vender livros, palestras, construir frases prontas, ideias para massa. É claro, numa sociedade que se interessa em massificar tudo, porque vende muito mais desta forma, meu filho, seu filho, qualquer filho virou grão no pacote de farinha, virou produto de prateleira, virou commodity.
Deixá-lo ser feliz, dizem, todo o tempo, insistem. Crie-o para ser criativo, livre... Numa sociedade que cultua e venera jogador de futebol, cantor de música pop, traficante, e sonha em ser político para encher a burra de roubar, não, obrigado. Algo me diz que esse padrão de massa está errado, e que não serve para nada que não seja criar massa, massa de manobra, massa de prateleira.
Longe das prateleiras e de olho nos nichos, quanto mais procuro pessoas que decidem, que ganham mais, quanto mais trabalho com grandes empresas, mais continuo vendo o bom e velho perfil de pessoas capazes, dedicadas e que sabem que um dia depois do outro é o único modo ainda capaz de pavimentar algo consistente.
Sem canções libertadoras, sem pegadas vitimizadoras, sem conversa de prateleira. Sem mimos, culpas e colos. Muito se fala da nova economia, que os jovens querem ter prazer no trabalho, que é preciso dar espaço... Isso não tem nada a ver com mimar, com indisciplina e vida fácil. Prazer é busca do ser humano sempre, mas acreditar que isso é possível todo o tempo, só mesmo nos livros e palestras.
De olho na chamada nova economia, vamos a alguns símbolos, ao seu inicio: Microsoft com Bill Gates, ou nos tempos de hoje, com Facebook através de seu fundador, Mark Zuckerberg, ambos ex-alunos de Harvard. Vamos a Sergey Brin e Larry Page, os senhores Google, eles se conheceram no curso de doutorado de Stanford. Tudo bem, você dirá que aqui é diferente. Vamos a Jorge Paulo Lemann, sócio da B2W, que é sócio do Submarino, Americanas, Shop Time, Sou Barato, Banco Garantia, Inbev, Burger King Brasil etc., formado na escola Americana do Rio, altamente tradicional e exigente, e é claro, em Harvard.
As conversas cheias de frases prontas, sonorizadas pelo rap da “coitadinha da criança”, vendem bem mais que livros e palestras, ajudam a vender também canais de exclusivos de TV, videogames e moda para quem não tem dinheiro, não tem palmadas, broncas nem qualquer responsabilidade. O mercado infantil prospera e o mercado futuro desaba. Crianças se tornaram seres frágeis, cheias de vontade e de desejos. O mercado agradece. Colo e culpa nunca ajudou tanto a economia presente.
Estamos educando gerações que já estouraram o alfabeto, com seus Xs, Ys e Zs, gerações cada vez mais fracas e despreparadas, cada vez mais iludidas com a linda ideia de que a vida imita o Facebook, onde tudo é alegria. Ninguém mais aprendeu a lidar com frustração, contrariedade e obrigação.
O mercado vai ampliar em oferta, os filhos vão querem cada vez mais, o mercado vai sugerir cada vez mais, caberá aos pais decidirem se terão seus filhos em prateleiras ou em seus colos, ou se finalmente porão, seus filhos e filhas, sobre o chão para caminharem sozinhos sem culpa, sem colo, sem mimo, mas sob seu amoroso e preocupado olhar e tutela.
“Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC/RJ, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.”
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