Paga pra mim?

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Facebook deixou nossa vida chata e deprimida. Todos são politicamente corretos e todos são perfeitos. Adoram bichinhos fofos, se preocupam com os outros, pensam positivamente sobre a vida — todo o tempo — e defendem um mundo igual e doce. Parece que os muitos motoristas grosseiros e desequilibrados que andam dirigindo cheios de rancor no coração não têm Facebook, porque ninguém por lá é assim. 

O efeito politicamente correto parece transbordar para todos os lados. Fico pensando o que será de nossos comediantes que não podem mais implicar com ninguém. Tudo virou bullying, tudo é ofensa. 

A mesma mentalidade contaminou o consumo, o limite do que é constrangimento para um consumidor em dificuldade financeira ficou muito tênue e, assim, o velho caloteiro sumiu da praça. Comprar e não pagar virou um problema para quem vendeu, não mais para quem não pagou. Cobrar virou bullying, ficou fora de moda, e dever não tem mais sentido de obrigação, mas de perdão. Pouco a pouco se inverteu certo pelo errado e o empresário ficou primo do traficante, pois vender presume receber, mas como cobrar é proibido, somos todos criminosos. 

O governo, com sua incapacidade de gerir, vem transferindo aos geradores de riqueza o ônus de trabalhar sem receber, embora ele mesmo não aceite ficar sem receber seus impostos extorsivos de empresários e trabalhadores, ou sua comissão, como no caso excepcional (nada comum) da Petrobrás. Assim, empregadores e consumidores de bem vão pouco a pouco rateando a conta daquele que compra e não paga, no melhor estilo daquele que recebe e não trabalha.

O código de defesa do consumidor diz que a noite e finais de semana são momentos de descanso e que o consumidor em dificuldades financeiras (porque comprou mais do que deveria) não pode ser incomodado em seu descanso. Também sugere que não se deve ligar para o trabalho do consumidor em dificuldades financeiras, porque, afinal, se pode constrangê-lo, e que, neste momento, uma cobrança pode também perturbar seu trabalho, então, fica quase impossível cobrar uma dívida.

Deve ser a idade, mas fui ensinado a não gastar mais do que posso, e que meu padrão de vida não é definido pela minha inveja ou minha ganância, mas pelas minhas posses. O fato é que tem muita gente aí vivendo muito bem e pagando muito mal. 

Tem gente de carro novo e sem pagar a mensalidade da escola ou universidade, e ao final do ano, migram de instituição e levam consigo seus documentos, seu carro novo e sua cara de pau.

Jurava que no meu imposto estava incluído um percentual que deveria ir para educação para que filhos, inclusive o meu, pudessem ter ensino de qualidade com estrutura de primeiro mundo (afinal é muito imposto) e um futuro que não dependesse de cota para entrar na faculdade, mas o dinheiro foi parar na Petrobrás, e o aluno da particular tem mecanismos que o defendem de não pagar a mensalidade, porque o estado reconhece que a escola pública seria um castigo grande demais para quem só não pagou a mensalidade da escola particular. Tome cara de pau.

Cara de pau combina com cupins, que corroem a rentabilidade de muitos negócios, em especial os pequenos negócios que têm menos capacidade de gerir crédito e de contratar empresas de cobrança. Corroem o poder de compra de consumidores pagantes que têm em suas prestações e preços à vista um percentual de calotes e custos de cobrança embutidos. Cada vez que alguém não paga algo que tem, alguém que poderia pagar fica sem ter, por não ter a capacidade de pagar a parte que não foi paga pelo outro. O calote encarece o produto, a produção, o consumo. Cada parcela em atraso se transfere para o bom pagador, que paga por si e pelo outro. Uma espécie de bolsa família que vem sendo exportada pouco a pouco para tudo. Bolsa televisão, bolsa escola particular, bolsa restaurante bacana, um grande bolsa consumo.

É preciso que todos entendam que estamos criando um mercado de "tadinhos”, onde consumir é direito de todos e pagar parece ser só para alguns. O ônus cada vez mais recai sobre menos consumidores e os privilégios, para cada vez mais pessoas. Não estamos implementando mudanças de futuro ou de comportamento, mas tão somente implementando privilégios, e nenhuma sociedade ou mercado conseguiu desenvolver-se deste modo. A inversão de valores está em voga e a responsabilidade dos valores está em cheque. Falando em cheque, vai preenchendo o seu, por favor, porque é você quem vai ter que pagar uma parte desta conta. Até quando você aguenta pagar essa conta?


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação


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