O marketing é preconceituoso

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Nada melhor para os negócios do que um pouco de preconceito. Preconceito ajuda a criar claramente ideias e posições sobre pessoas, grupos, targets...

Não há nada mais errado do que acreditar que somos todos iguais. Somos, para o consumo, todos diferentes; quando muito, parecidos, mas em muitos momentos grupos totalmente diferentes  — e quanto mais diferentes, melhor para as estratégias de comunicação baseadas em nicho ou diferenciação, aquelas que se focam em partes, segmentos e grupos.

Não se espante, caro leitor, com a ideia de preconceito. Preconceito não é achar que um é melhor que o outro, isso se chama ignorância, presunção, soberba. Preconceito é uma predefinição a cerca de um grupo, algo que nos ajuda a definir comportamentos, respostas de vendas e resultados de mercado.

Acreditar que somos iguais é desperdiçar oportunidades de mercado que podem ser culturais, de produto, de serviço ou de marca. Grifes de skate e surf giram muito dinheiro, exatamente porque insistem em fazer de seus usuários, fãs, e os tratam como diferentes de todo o resto da sociedade, apostando num conceito de estilo de vida e de pensamento contrário ao vigente. Pura encenação, não cabe discutir agora, mas que rende muito dinheiro é fato!

Acreditar que negros são iguais a outros grupos étnicos é desperdiçar oportunidades de produtos segmentados aos cabelos e pele negra, por exemplo. Acreditar que crianças são iguais a jovens ou adolescentes é ignorar uma gama de oportunidades que atingem não apenas as crianças com brinquedos, canais de TV e artigos em geral, mas as mães e avós babões que compram dezenas de produtos e serviços, em especial para o primeiro filho e neto, respectivamente.

Na criação de estratégias de mercado, é fundamental conseguirmos agrupar perfis em fatos que possam torná-los semelhantes, assim definir o conceito de quem nos interessa e como atingi-los. Quanto antes esses conceitos possam ser definidos melhor, e, portanto, o preconceito é ótimo para os negócios.

Agrupar, dividir, reagrupar, separar, juntar é um exercício fundamental para que as estratégias de marketing possam direcionar informações de forma precisa e, portanto, mais baratas e mais rápidas. 

Quando a propaganda fala de um detergente, foca principalmente em mulheres, apesar de sabermos que homens compram e usam detergente, mas não convenceria nenhum comprador ou compradora um galã de novela falando de detergente (como se precisasse ser especialista para vender detergente). Quando se quer vender fralda a figura de um pediatra ajuda nisso, e ninguém pensa se ele tem ou não filhos e mais, ninguém usa uma garota de 18 anos para vender fralda, apesar de ser potencialmente possível estar na sua segunda ou terceira gravidez. Tudo isso são demonstrações claras do quanto somos preconceituosos e como as estratégias de marketing reforçam esse modelos mentais ou arquétipos.

O uso de imagens e comportamentos que façam sentido para nossa sociedade e seu tempo social são indispensáveis para que mais produtos sejam vendidos e, também, melhor vendidos. 

Cores, sons, linguagem, aparência, idade, renda, ambiente, tudo pode ser convertido em elementos que geram atração ou repulsão em uma comunicação. E acredite, repulsão vende; sempre que quero me distinguir de um grupo, isso vai ajudar muito. Uma música clássica e um funk mudam totalmente o foco da mensagem. Isso é puro preconceito.

Como podemos ver, as decisões de mercado são pautadas não pelo simples processo de com quem queremos falar, mas com quem precisamos e com quem não queremos também. 

Entender o processo de construção de uma comunicação e de seus influenciadores e decisores é muito mais complexo e muito mais construído do que parece ser.
Ao que tudo indica, o preconceito ainda vai ajudar a vender muito produto, marca e serviços, não apenas porque nós ainda vamos continuar acreditando que somente determinados personagens podem gerar confiança para decidirmos sobre as coisas que queremos, mas também porque nosso próprio preconceito nos fará acreditar que precisamos de determinados produtos, serviços ou marcas.

“Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC/RJ, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.”

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