O Brasil entrou em campo

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Nesta terça-feira, vi muito mais que a seleção em campo; vi o Brasil. 

Não num sentido emocional, mas funcional. Vi a falta de pegada, vi o individualismo, vi o excesso de autoestima superando o conjunto, vi a tática comandando a estratégia, vi o brasileiro ser maltratado, vi o México (com todo respeito) ser comparado ao Brasil, vi o Brasil achar que empate é bom resultado.

Vivemos no empate há tantos anos que parece que é mesmo um bom resultado. PIB ridículo e o governo achando que isso é bom para o empresário, para o lojista, para o empregado.

O espelhamento do comportamento estatal encarnou nas camisas amarelas. Em alguns momentos, ao ver o Brasil tocando bola sem pressa e sem responsabilidade na sua própria linha intermediária, tinha a sensação de que o placar era de 4x0 e já estávamos campeões. Mas não. Estávamos em casa, empatando, tomando sufoco e se tomássemos um gol, poderia representar nossa desclassificação. Parece nossa economia e políticas públicas, que não se preocupam em ensinar a pescar: contentam-se em distribuir peixes comprados caros com o dinheiro de quem pesca, e ficam sempre sem dinheiro para fazer escolas, hospitais e aumentar a geração de emprego, as únicas soluções capazes de salvar quem não tem peixe e os filhos destes.

É o Brasil quem toca a bola de lado, quem recua para o goleiro, é o nosso país quem faz isso todo o tempo, em todo campo.

Cada vez que nosso goleiro pegava a bola e rifava num chute descontrolado para o meio de campo, sentia o governo agindo, sem direção, sem objetivo, sem estratégia. Veja que o jogo estava marcado há muito tempo, o adversário era um time conhecido. O que nossa seleção demonstrou ontem foi a absoluta falta de planejamento, tal qual nosso estado, nosso poder, nosso comando. Rifando bolas, seguimos com uma economia que não cresce e políticas públicas que não sustentam. A vida toda ouvi que o Brasil era o país do futuro, o futuro chegou, passou e o Brasil toca a bola de lado. O empate é bom resultado.

O que falar da marcação de saída de bola? Ela representa toda a infraestrutura, não é bonito de se ver, não faz gol, mas ela dá base para que o ataque possa ter posse de bola e oportunidades, sem marcação o adversário fica mais à vontade — e mais em casa. Assim seguimos, pontes bonitas sobre rios poluídos porque faltam redes de esgoto, leis maravilhosas e educação ruim, ninguém cumpre, ninguém respeita, a lei não pega! Não fazemos marcação, porque a gente não lembra em quem votou, ninguém tem um atacante para marcar, todo mundo só quer fazer gol!

Cada vez que via Neymar arrancar, via o excesso de autoestima do brasileiro pulsar. Sou brasileiro e não desisto nunca. Teimo e fracasso! Planejar, trocar passes é para os fracos! Cabelo super bem penteado e chuteira desamarrada. Joga muito, não há dúvidas, mas vimos o melhor do mundo ser abafado na véspera. Cristiano Ronaldo foi anulado com três marcadores em cima dele. Neymar deixou um, dois, três para trás, mas sempre parava no quarto. A falta de filosofia de conjunto, grupo, equipe está ali representada. Como vejo também as dificuldades do dia a dia impostas a quem tem iniciativa em nosso Brasil. O mercado se arrasta e depende absolutamente da ação individual do empresário. Não existe coordenação, não existe bate bola, tem que arrancar e partir, mas quase sempre esbarra na burocracia, nas leis trabalhistas antigas e demagogia do poder público, que tira competitividade e poder da economia e concentra no político, na política. Trabalhamos para o governo, enquanto nos países que prosperam é o governo quem trabalha para os cidadãos.

Cidadãos, aqui representados pelos nossos torcedores, dispostos em cadeiras caríssimas no estádio, construído com nossos impostos a preços superfaturados, e de milhões em cadeiras simples pelo nosso Brasil foram desrespeitados a cada passe errado, a cada bico dado pelo goleiro, a cada chute para fora, a cada falta a fim de parar uma jogada, a cada bola para o lado ou para trás.

A falta de estratégia foi tamanha que quem deveria reger o conjunto olhava e não sabia bem o que fazer. Em determinado momento, mesmo sob o calor do nordeste, vestiu seu casaco na esperança de que um amuleto pudesse nos salvar. Precisamos de bem mais do que um amuleto ou muleta, precisamos de comando, de estratégia e de planejamento. Nosso país precisa disso.

Me senti brasileiro durante 90 minutos, não um torcedor, mas um cidadão. Desrespeitado por 12 profissionais muito bem pagos e muito menos interessados no resultado do que eu mesmo. 

Uma copa do Mundo dura quatro anos, uma eleição também. Se for para escolher, eu escolho perder a Copa.


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação 


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