Neuroconsumo e consumo neurótico

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Cremos todos que temos o comando das nossas ações e das nossas decisões, mas agora já muito além das fronteiras freudianas estamos alcançando limiares novos, determinados pela ciência capaz de ver nosso cérebro, muito além do nosso consciente ou vontade. Uma nudez cerebral sempre imaginada, desejada por quem vê e assustadora para quem é visto.

Há tempos os bêbados creditavam que o álcool era capaz de gerar comportamentos incontroláveis, mas hoje as pesquisas demonstram que a única coisa que o álcool faz é agir sobre a área responsável pela repressão e culpa, assim, não fazemos nada que não quiséssemos fazer sóbrios, apenas não nos sentimos mais culpados por fazê-lo. 

Se o álcool funciona como um desinibidor, como algo que nos lança na direção do que queremos e, melhor, livres da culpa que nos assombra, o consumo talvez seja um primo mais próximo da cerveja e do vinho do que se imaginava. Afinal, no shopping não é preciso embebedar-se para se lançar na direção do que se quer. Vitrines, promoções, vendedores, ambientes, cheiros, tudo para livrar-nos da culpa do consumo, ao menos momentaneamente. As pesquisas mostram que o ato de comprar, em muitas pessoas, está diretamente ligado ao centro de recompensa do cérebro. Assim, consumir é felicidade — e instantânea. 

E o advento do cartão de crédito criou uma nova perspectiva no consumo: afinal a felicidade de consumir é imediata, é agora, e o pagamento em até 40 dias e ainda pode ser parcelado, assim trocar a dor do depois pela alegria do agora parece um ótimo negócio nas mentes que mentem para nós. 

Se a felicidade é já, a tristeza, na verdade, vem na forma de extrato, quer seja do banco ou do cartão de crédito. E muita ciência tem sido desenvolvida na perspectiva de gerar mais e mais resultado de compra, mais esforço na felicidade e menos foco na culpa, já que pouco ainda se pode fazer sobre a culpa posterior, e vale comentar que a culpa recai sobre o indivíduo e não sobre a indústria.

Na busca de entender os processos decisórios, o neuromarketing tem estudado os processos que envolvem as decisões e as escolhas, mapeando através de tomógrafos quais áreas do cérebro se acendem diante de um novo logotipo, um novo slogan ou nova assinatura musical, e não é de hoje. Seus resultados têm sido tão produtivos que uma nova área surge com força, a neuroeconomia. 

Dedicada a compreender os impactos financeiros, algumas pesquisas demonstram que não é o temos, comemos ou bebemos que determina o prazer, mas a representação disto. Voluntários em tomógrafos focados em leitura cerebral experimentaram diversos vinhos, e enquanto os saboreavam, eram informados dos valores de cada garrafa. Sem saber, todos os vinhos ofertados foram dados em dois momentos diferentes, com preços diferentes, e na degustação com os vinhos na versão mais cara, os centros de recompensa e prazer se iluminaram mais nas análises, na imensa maioria dos casos. 

Assim, a suscetibilidade das pessoas produz resultado não pela coisa em si, mas pelo significado que ela tem na cultura em que ela está inserida. "O raro”, "o caro” e "o raro e caro” parecem estar no nosso cérebro muito acima de nossa decisão, vontade ou gosto (paladar).

Não somos senhores de nossas decisões e gostos, nossos valores e a satisfação que obtemos das coisas e vivências precisam de representação. É o significado e significante. É o digas com quem andas que te direis o que vais querer, o que vais comprar e o que vais sentir.

Somos fruto do meio, somos seres sociais, seres que se afirmam através dos outros. Nossas marcas, ícones de consumo, desejos são representações de um tempo histórico, de uma determinada sociedade, em um determinado corte social, religioso, etc. Nossas coisas tem o valor que todos os demais dão a elas, sem reconhecimento, de nada vale. O perigo é que estamos nos tornando o que os outros acham que somos e, pouco a pouco, passamos a acreditar. E de tanto precisarmos ser assim, compramos mais e mais. Não é mais ciência, não mais neuromarketing ou neuroeconomia: é consumo neurótico!


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração

e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental, professor titular

da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação 

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