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Meta, consumo e prioridade
quinta-feira, 03 de outubro de 2013
Dinheiro não traz felicidade, diz normalmente quem não pode comprar. Já quem pode retruca: dinheiro não traz, manda entregar.
O consumo desenfreado é condição sine qua non para o funcionamento correto do estado, em arrecadação e manutenção de índices de emprego e renda, para as empresas, no aspecto de geração de lucro e escala, para a mídia, que depende de propaganda para pagar a conta de suas programações e conteúdos, e por fim para o próprio consumidor, que consegue competir com seu vizinho e dar sentido a sua vida e trabalho usufruindo com bens e status obtidos no consumo.
Ao que parece o consumo é a solução perfeita para a manutenção do status quo e a perpetuação de um sistema baseado na superficialidade e tão ajustado à natureza competitiva do homem e tão indiferente a questões referentes aos aspectos pessoais e humanos.
A superficialidade do consumo disfarça nossas imperfeições. Mais: ela se vale de nossa necessidade de parecermos mais e melhores do que somos, e de uma forma bem mais simplista que a complexa melhora do perfil pessoal, do autoconhecimento ou do real entendimento da oportunidade que é viver.
O consumo muda nossas metas, altera nosso tempo de alcance de tal objetivo e nubla o sentido de usarmos a vida para sermos melhores. A ambição hoje se limita a melhorar de classe social, como se a vida fosse apenas o que possuímos.
Como professor percebo uma ambição focada no "ter” em grande parte dos jovens. Não há metas pessoais, humanas, sociais. Mais, as metas por serem puramente financeiras geram uma quase escravidão, porque há tanto a consumir e tamanha urgência que a própria capacidade de projetar-se profissionalmente fica prejudicada. Prejudica, pois a prioridade erroneamente é ganhar dinheiro em vez de ser, aprender, desenvolver-se, conhecer a si e aos demais, tornar-se conhecido, conhecer... Experiência profissional, relacionamento de mercado, tal qual acontece com marcas e produtos.
Vejamos: se uma marca nova chega ao mercado a prioridade é ser conhecida; se há forte ação de concorrência a prioridade é participação de mercado; se há grande reconhecimento o foco é rentabilidade, enfim, se nos negócios os focos mudam, porque na vida não se faz o mesmo?
A venda repetitiva e generalizada do estilo de vida "digas o que tens e te direi quem és” é tão massacrante que poucos ousam romper com o modelo e quem rompe quase sempre o faz pelos motivos errados.
Os jovens estão, em sua maioria, sem metas pessoais, sem crença no ser, sem capacidade de definir suas prioridades e sem a capacidade de equilibrar consumo e vida, ter e ser, trabalhar e aprender, conhecer e prosperar e outros binômios que dão a vida um sentido mais amplo e mais complexo e sobre tudo mais feliz.
Muitos jovens ficam superficiais como certas marcas que se apoiam apenas em preço. São vulneráveis, fracas, sujeitas à substituição por marcas de preceito semelhantes. São marcas que não são sonhos de consumo de ninguém, não são desejadas, não temos orgulho de consumi-las, não conseguem apresentar qualquer outro predicado ou valor que não preço. Tem muita gente assim. Gente barata, gente que estraga fácil, que funciona mal.
Marcas exigem gestão complexa, capaz de alternar ao longo de usa vida objetivos, metas e prazos. Objetivos intermediários são fundamentais para se construir a meta maior, ou seja, manter a direção é fundamental, mas saber contornar os obstáculos também. O mercado está cheio de histórias de marcas que caíram porque acreditavam em metas erradas ou em percursos fixos. Precisamos alcançar o consumo como parte do percurso, mas não como o destino, não como via fixa e muito menos como prioridade. Não adianta libertar o corpo e aprisionar alma. Consumir não pode ser meta. Coisas são pontes, não destinos.
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto
de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,
professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação
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