Matemática e mercado

sexta-feira, 06 de abril de 2012

Nas escolas aprendemos de forma cartesiana que um mais um é igual a dois, mas o mercado nos ensina que, como diria Beto Guedes em Sal da Terra, um mais um é sempre mais que dois. Como educador que sou, afinal quinze anos de sala de aula e mais alguns verões quando garoto como professor particular, entendo que a educação ainda se preocupa muito mais em conhecimento técnico que comportamental, o que está correto até certo ponto, mas o erro crasso é a insistência de dissociar os dois ensinamentos.

Criar técnicos socialmente desajustados é muito mais grave do que criar pessoas prontas para aprender. Criar profissionais teóricos sem qualquer prática, vivência ou valores é muito mais nocivo do que preparar pessoas para responderem com responsabilidade, dedicação e ética, ainda que carentes de informações técnicas.

Vejo o mercado ensinando, pleiteando e comprando passes de profissionais aptos a aprender e assumir responsabilidades, com todos os desdobramentos que esta palavra traz, mas vejo escolas e universidades insistindo em livros dissociados de qualquer visão de sociedade.

Para uma empresa é muito mais fácil ensinar rotinas e procedimentos do que insistir em explicar comprometimento, responsabilidade e meta. O conhecimento transforma, não há qualquer dúvida sobre isso, mas o conhecimento entregue a pessoas sem que estas entendam o que o mercado, empresas, clientes esperam delas, geram uma matemática onde um mais um pode ser dois para mim, um e meio para empresa, meio para o cliente e dois e meio para o profissional recém-chegado. E erros de valoração como estes geram paralisia, desgastes, perdas de negócios e dificuldades em contratação.

Cabe à escola, desde o ensino fundamental, uma visão de si mesma como geradora de comportamentos de mercado. Se ver como um cliente que exige através da lição de casa, não apenas a oportunidade de treinar seu alunado sobre os temas de aula, mas sobre os comportamentos de dedicação, responsabilidade, pontualidade, assiduidade, comprometimento e sinergia de grupo (nos casos de tarefas não individuais).

Como clientes, nós educadores, precisamos preparar nossos pupilos para a vida, para o convívio, para os relacionamentos com os quais seremos mais, melhores e tornaremos os que nos rodeiam igualmente melhor.

É visível a degradação do comportamento social em nosso país e cidade. Cada vez mais intolerância, a permissão do “eu” sobre a prioridade do “todos”, o senso do “eu faço o que quero e os outros que se danem”, tudo isso são derivações da falta de entendimento do “qual papel eu desempenho” e da perfeita falta de noção do “a que pertenço”, comportamentos que se encontram dentro de uma empresa e não raramente dentro de uma sala de aula; o comum erro do aluno e trabalhador de não entender que desempenha um papel numa intrincada rede de interesses e produção. Se nos vemos como prestadores de serviço, se identificamos nossos clientes, se entendemos a que interesses servimos, tudo fica mais fácil, mais certo, mais produtivo.

Assim como o aluno não entende para que a lição de casa, tampouco no trânsito o cara que vira sem dar seta ou o funkeiro de mala aberta e som aos berros veem algo de errado, da mesma forma, segue o vendedor que não vende e o colaborador que não colabora, e deste modo a conta não fecha, porque assim um mais um dá bem menos que um, porque cada um não vale o que pensa, porque estes não pensam em nada a não ser em quanto pensam que valem, e a tia fica em sala explicando matemática sob olhares distraídos e a de sociologia segue sozinha em pleno horário escolar.

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