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Marketing de ferraduras
quinta-feira, 04 de julho de 2013
Diz a lenda que um vendedor de Coca-Cola deve consumir os produtos da Coca-Cola. É certo que não seja possível ao operador de máquinas ou supervisor de montagem da Ferrari possuir uma Ferrari, mas é certo que a desejam.
Assim é de se esperar que tenhamos a tendência de utilizar produtos e serviços nos quais trabalhamos, não como castigo, mas como honra, privilégio, vontade e, por que não, vergonha na cara.
Então, por que nossos políticos não compram os serviços públicos? Serviços os quais eles são pagos para determinar o padrão da prestação de serviço, o tempo de entrega, os elementos de suporte, o ambiente de entrega, enfim, a qualidade da oferta. E convenhamos, nós, contribuintes e eleitores, pagamos por serviços de ótima qualidade.
Por que os políticos e seus dependentes não são, por força da lei, convertidos em clientes cativos dos serviços públicos? Transporte, educação, saúde, segurança, aposentadoria?! Como seria nosso país, estado e município se todos os servidores públicos do executivo (cargos eletivos e de confiança) fossem obrigados a usar exclusivamente os serviços públicos? Dá pra imaginar nossos vereadores em vez de ganhar um carro oficial recebendo um vale-transporte? Será que melhoraria nosso transporte? Consigo imaginar os leitores deste jornal visualizando essa cena, e mais, respondendo essa pergunta. Consigo imaginar o "sim” transbordando o silêncio e respondendo na verdade a questão que é muito anterior à pergunta, origina-se na insatisfação da representação e na ineficiência do nosso sistema eleitoral e político.
O consumo de serviços e produtos em geral é ditado por diversos fatores: marca, preço, tempo de entrega, percepção de qualidade, forma de pagamento, atendimento, localização etc. Então, por que o serviço público é sempre indesejado, e usado por força da necessidade, e não como opção de escolha? Mesmo sendo gratuito, todos que podem pagam para não usá-lo, e pagam na prática duas vezes. Pagam na forma de imposto e pagam novamente para contratar serviço substituto, e por quê? Porque é ruim! Em marketing isso tem nome, é demanda negativa, quando parte significativa dos consumidores paga mais para não usar algo. Deste modo percebemos que o governo é péssimo gestor. O poder público não entende nada de seus consumidores, aliás não os vê como consumidores, ele tem vítimas, reféns.
Quando se estuda fidelização de consumidores existe um tipo clássico chamado de refém que é o consumidor fiel e insatisfeito. Mas como alguém pode ser fiel se está insatisfeito? Simples, tire-lhe qualquer outra escolha ou opção. Isso lembra o aluno da escola pública? O doente na fila do SUS? O trabalhador enlatado no ônibus ou o idoso no ponto sendo ignorado? Somos todos reféns nos tentáculos do poder, nas suas diversas esferas de incompetência.
Curioso que o governo cria agências reguladoras para saúde, energia, transporte, águas, telefonia e não aplica nenhum pré-requisito a ele mesmo. O governo se vê acima do bem e do mau, acima de nós, e na prática está em cima de nós, estamos sempre carregando o governo nas costas. Somos as mulas e ele o cowboy. É marketing de ferraduras.
O poder público está viciado no marketing de aparências, onde ele finge que faz e o cidadão finge que não paga a conta. Porque na prática parte significativa de quem paga a conta não usa o serviço público, foge sempre que pode, e quem usa não sabe que paga, sim, parte da conta no leite, no pão, no combustível do próprio ônibus que usa, no contracheque magro que lhe chega às mãos, porque desconhece que para cada emprego ofertado o governo pode chegar a cobrar outro em impostos do empresário.
A solução da melhoria do serviço público e do serviço político passa pela amarração de ambos. Até lá restam as ruas, as redes sociais, o debate, o voto. Não há serviço de atendimento ao cliente, não há foco no cliente, não há clientes. Ainda somos todos reféns, ainda somos mulas.
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.
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