Magia e vendas

quinta-feira, 07 de novembro de 2013

Algo comum e bastante frustrante no ponto de venda é chegar em uma loja e não ser bem recebido. É comum diante do fato de "alguns muitos” vendedores terem o dom, a capacidade mágica de adivinhar que você não tem potencial de compra, não tem dinheiro, não sabe o que quer e saiu de casa especialmente para aborrecê-lo. Vendedores paranormais são mais comuns do que clientes normais.

Bolas de cristal, vidência, búzios e vudu são só algumas técnicas que substituíram as técnicas de vendas tradicionais e trazem para o ponto de venda essa áurea mística e transcendental tão comum hoje em lojas de todo país.

É assustadora a insistência com a qual vendedores tentam definir antes do bom-dia quem pode e quem não pode comprar. Assim ritualmente limitam a boa recepção àqueles os quais entendem que podem ser clientes e ignoram sistematicamente os que se enquadram na lista de "caroços”, ou seja, clientes sem potencial.

Tal seleção acontece não nos portais do além ou em buracos de minhoca, mas ali, junto às portas de aço do comércio. E diante de nossos olhos, não vendedores, mas gurus antecipam os resultados e definem quem compra e quem não compra! 

A recepção de um cliente altera o estado de espírito deste, o predispõe a comprar e diminui as resistências de compras. Nossa cara, literalmente falando, liga circuitos cerebrais que potencializam ou inibem nossa predisposição e potencial de compra. Então, de certo modo nossos vendedores são realmente paranormais, pois aqueles clientes que definem sem potencial terminam por não apresentar potencial, mas num olhar mais cuidadoso não se trata de magia, mas de profecias autorrealizáveis, ou seja, por tratar mal o cliente, este responde sem estímulo de compra. 

Tão bom seria se o vendedor olhasse para o cliente e visse ali um desafio, e por instinto, tão necessário a um bom vendedor, alcançasse uma venda de satisfação, ou seja, convertesse o cliente em comprador e ainda por cima entregasse produto, serviço e satisfação.

Superado o problema da recepção, outro erro comum é o da sondagem. Clientes quase sempre não são sondados, investigados, e repetidamente vendedores presumem, e errado, qual o potencial e interesse do cliente. Mais magia no salão de vendas. Tal magia consome um tempo de qualidade do processo de venda, tão importante e tão comumente desperdiçado. O que se segue são ofertas inadequadas, que geram desgastes de ambas as partes; o vendedor fica inócuo e o cliente frustrado. Não raramente oferecem descontos, condições de pagamento e produtos de linha A, B ou C de acordo com sua camisa, bolsa ou calçado, nunca de acordo com sua predisposição, momento ou necessidade. 

O processo de venda tem que se tornar um processo de satisfação, menos doloroso, menos traumático para ambas as partes. Conhecer melhor quem compra, seus motivos, objetivos, seus potenciais, é fundamental. Para isso é preciso um vendedor mais aberto a conhecer seu cliente, um vendedor com profundo conhecimento de seus produtos, capaz de argumentar por preço, por benefício, por comparação, por perfil, de acordo com o padrão daquele cliente, naquele momento. 

Vendedores com mais capacitação e orgulho do que faz, com menos magia e com menos profecias autorrealizáveis são indispensáveis. Por outro lado, lojas com melhor treinamento e acompanhamento de seus processos de atendimento são indispensáveis.

O processo de vender precisa abandonar o ranço de ser um mal necessário e tornar-se um bem produtivo. Precisa deixar de ser magia e assumir sua vocação de técnica. Assim nós clientes deixaremos de ser cobaias e assumiremos nosso papel de consumidores.


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação

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