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Função primária
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Em marketing somos induzidos a pensar em tudo sob a ótica do efeito que uma decisão, seja ela qual for, causa no consumidor, usuário, decisor ou qualquer outro personagem que interaja com o produto ou serviço.
Na lógica de mercado, as decisões devem ser assumidas medindo o custo transferido ao comprador, levando-se em conta o benefício percebido por ele e, claro, sua capacidade de pagar por esse benefício e o quão é indispensável, a seu ver, tal benefício.
Pense num air bag, dispositivo usado em automóveis que se infla em milésimos de segundo e pode salvar vidas. Há quem considere isso opcional e há quem considere isso item indispensável. Nesta lógica, o custo parece representar pouco a quem não abre mão; já para quem não percebe tal benefício lhe parece caro, muito caro.
Nesta lógica de quanto custa e qual o impacto na percepção do consumidor, muitas decisões parecem ainda serem feitas por engenheiros, políticos, burocratas e outros que não consideram em momento algum o consumidor como intermediário no processo de compra, uso ou recompra. Vejamos alguns exemplos:
Já experimentou ler o código de barras de algumas contas? Números minúsculos se escondem sobre o código de barras e sem o uso de uma lupa, régua ou algo do tipo podemos ter uma grande confusão para apurar a real sequência. Deste modo fica claro que o usuário está sendo negligenciado no processo. O que dizer de tabelas nutricionais de produtos? E as bulas? Ainda nos remédios, já experimentou abrir determinadas embalagens de remédio? É preciso o uso de facas, tesouras, alicates... O usuário depende de ajuda de terceiros, isso fere a dignidade, não?
Quem já não viu dezenas de fandangos ou outros biscoitos esparramados ao chão por que a criança, ao abrir, zuniu todo o conteúdo ao chão já que o saco se rasgou inteiro? Será que essas embalagens cumprem sua função primária? Aos olhos da engenharia certamente, pois embalam, mas aos olhos de marketing não, pois consideramos vital que as pessoas envolvidas no consumo tenham resultados positivos ao realizar seu uso.
Vamos às estradas. Nossas estradas estão lotadas de pardais não sinalizados, que entrarão em breve em uso, mas pardais que não avisam o limite de velocidade e muito menos onde estão. São armadilhas, algumas bem montadas, escondidas atrás de arvores ou em retas enormes, num percurso de tão poucas ultrapassagens e muitos caminhões. Qual a lógica de um pardal (radar de velocidade) se não a de manter motoristas numa velocidade adequada ao trecho? A existência destes sem sinalização não contribui para a segurança do pedestre ou ciclista (que não deveriam estar na estrada) e gera grande desproporção entre a velocidade do veículo que sabe do pardal e o que não sabe do pardal. Assim, mais uma vez o propósito primário de um serviço ou produto é descumprido. E se entendermos que a função de uma estrada também passa pelo desenvolvimento uma região, com os cinco novos pardais (em uma das estradas), um turista em sua viagem de ida e volta à nossa cidade tem o potencial de levar mais dez multas, o que pode custar mais de cinco mil reais, ou seja, é um souvenir indesejado para uma cidade que se pretende turística.
Apesar de toda evolução do marketing, muitas decisões insistem em nascer, crescer e viver longe de sua visão, gerando imenso isolamento entre causa e efeito, entre benefício e custo, entre teoria e prática. Multar, colocar números minúsculos, informações ilegíveis, embalagens blindadas ou qualquer outra decisão que comprometa uma das partes não é nem de longe a melhor decisão, se mostra como paliativa e inacabada, mas, sobretudo, não atende ao preceito básico de proteger sua função básica, que é gerar satisfação ao usuário, cliente, consumidor, decisor de compra.
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC/RJ, pós-graduado em Engenharia Ambiental, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação
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