Colunas
Estética mortal
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
Vivemos sob a ditadura do consumo e sobre o totalitarismo da beleza. Nada é mais difundido, exigido ou mais massacrante do que a necessidade de beleza e suas consequências. A busca de um padrão estético que não é seu ou meu, mas de terceiros, é a grande caminhada de nossa humanidade e maratona é ter dinheiro para comprar tudo isso.
A cada semana novos e escandalosos casos de mortes ou problemas sérios, sejam eles em mesas improvisadas de cirurgia com falsos especialistas, em prontos-socorros, com produtos de uso industrial, sem prescrição, sem liberação da Anvisa ou em doses absurdas acontecem. Os problemas não param, alcançam dietas milagrosas, bulimia e outros tantos horrores como os de ordem psicológica, tudo porque nossa sociedade cultua a estética acima de qualquer outro valor.
Inteligência, bondade, honestidade, saúde... nada é mais potente que beleza. Assim nossa sociedade constrói os heróis, sempre bonitos, eles sempre ficam com a mocinha, o bonito é quem anuncia o produto, é quem ganha a torcida ou acaba sempre com o final feliz nos filmes. Até quando o jornal mostra que um bonito morreu, o coro do "que pena” se fortalece.
Esse é o maior de todos os bullyings, o maior racismo vigente, o maior preconceito de todos. Nossas crianças estão sendo massacradas por propagandas que exigem estética, que semeiam que as oportunidades só acontecem para as bonitas, para roupas que só vestem "gostosas” e "sarados” e por brinquedos como "Barbies magrelas” focados em cosmética e autoimagem.
Nada contra magrelas ou gorduchas, o que está errado é criar um conceito que iguala a todos num único saco de gatos e nos promove a sermos estéticos e não mentais, espirituais, sentimentais, etc. Este truque faz com que todos corram buscando esta estética e jamais acharam, mas muito dinheiro vai rolar e o mercado precisa disso.
Na sociedade das selfies, onde por nada todos se autofotografam e disputam elogios estéticos, a indústria da beleza determina e sentencia a todos a pertencer a um dos dois e opostos grupos: egocêntricos bonitos e o resto.
A beleza de ter sua própria idade virou vergonha e meninas de 10 anos já acreditam que são imperfeitas (o que é fato, afinal, todos somos) e acreditam ainda que isso é uma maldição, acreditam estar marcadas para jamais serem amadas, desejadas, queridas, porque seus seios são maiores ou menores, suas coxas são mais ou menos, ou seus cabelos têm ou não têm, e seus espelhos só mostram defeitos e a competitividade com a colega de sala, a menina da revista e amiga da mãe só a frustram e transbordam e sobrepõem a amizade e a esperança.
Enganar a idade, enganar a genética, enganar a si, vamos enganando a vida, seu propósito, e nos esquecemos que estética não permite enganar a morte.
As pessoas parecem tão preocupadas com a imagem que têm de si que esquecem ou simplesmente já não importa a imagem que projetam para os outros. A beleza é ótima para os negócios, mas não para as pessoas.
Aprecio o belo, mas não consigo concordar com uma sociedade que promove a beleza acima da boa vontade, educação, conhecimento, honestidade, etc, e não acredito que é a beleza pela beleza, mas sim que é a beleza como negócio.
Pessoas morrem em nome da beleza, quando o que há de mais belo é viver. Pessoas passam a vida em busca de uma beleza de si e esquecem que a beleza está em viver a vida. Pessoas dedicam mais dinheiro e tempo à beleza que ao espírito, a família ou ao conhecimento... e ainda dizem que a mídia não tem poder... Inocentes!
Claro que a mídia potencializa o Narciso que mora e vive dentro de nós, mas esse instinto tem que ser vencido pela fantástica experiência que é viver. Neste fim de ano, espero que mais pessoas projetem para o próximo ano metas para si, para sua saúde, para coisas, itens ou serviços que sejam, para tudo que faz de nós conteúdo, menos foco naquilo que faz de nós embalagem, e sobretudo que não morram em nome de uma estética duvidosa e impessoal. Espero que em 2015 as pessoas lembrem que morrer é feio e beleza é algo pessoal, é de cada um.
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto
de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia
Ambiental, professor titular da Ucam e sócio da Target Comunicação
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário