Entre Serra Leoa e Miami

quinta-feira, 20 de março de 2014

Nosso Brasil detém misturas que vão bem além de raças e credos, alcança muitas realidades de consumo, de legislação e acesso a informação e serviços.

Nesse coquetel de realidades díspares, orbitamos repetidamente entre o céu e o inferno, com shoppings de alto valor, com segurança reforçada, carros blindados, serviços de valets e marcas do primeiro mundo a preços de outro mundo. Enquanto isso, na quadra vizinha, shoppings populares prosperam cercados de barracas de camelô que revendem, sem nota, um mundo de produtos falsificados, contrabandeados e/ou roubados no cartão de crédito em 3x sem juros.

Vivendo na subcultura americana, importamos nomes, música, halloween, consumo. Pagos em real e gastando em dólar nossa economia e, em especial, nossos adolescentes e jovens cultuam o consumo de forma totalmente distorcida, onde novamente abismos de realidades se formam. De um lado, o garoto zona sul possui tudo de bom, sem noção de quanto vale o dinheiro; um pouco mais acima, os morros observam uma realidade tão longínqua do consumo e tão perto nos valores, produtos e marca que não são acessíveis. Querem ter para pertencer, já que não lhe entregam educação, oportunidade, respeito...

Com tantas qualidades na cultura americana, como senso de dever cívico, poder público que funciona, democracia e consumo amplo e barato, ficamos apenas com o consumo amplo e nada barato.

O brasileiro cada vez mais se escraviza no consumo, incentivado pelas políticas públicas que não se interessam em formar ou informar cidadãos. Injetando dinheiro apenas para o crédito, nosso país cresce lentamente, a pífios 2,5 ao ano, enquanto o nível de endividamento da população sobe mais que isso. O consumo no Brasil sangra a riqueza do próprio país, uma vez que a imensa massa de consumo acontece financiada e não gera novas riquezas, apenas dívida. Repetindo os hábitos da União, seus cidadãos devem cada vez mais e compram cada vez mais passivos,  o que gera, por sua vez, cada vez mais despesas e fecha-se a bola de neve no modelo de economia subdesenvolvida.

A sétima economia do mundo não tem nada de grande economia, mas de economia grande. Vivemos de resultados absolutos, ou seja, grandes números porque somos grande, não porque somos geniais ou eficientes. Nas performances relativas somos fracos e desproporcionais ao nível e hábito de consumo e impostos pagos.

Pagamos impostos caríssimos, de primeiríssimo mundo, quer seja sobre a renda ou sobre o consumo, e recebemos terceiro mundo no que se refere à qualidade de produtos e serviços privados ou públicos. 

Ao fim desta semana, mais de 400 bilhões de reais já terão sido arrecadados dos brasileiros, desde o início do ano, na forma de impostos. Com taxas de 280% ao ano no rotativo dos cartões de crédito, o brasileiro segue comprando agora e vendo como paga depois, e todos esses juros que poderiam ser poder de compra somem do mercado, nos levando cada vez mais para Serra Leoa e cada vez menos para Miami.

O brasileiro precisa gastar menos, poupar mais, exigir menos impostos, frear a corrupção, torcer menos pela seleção brasileira e fazer mais pelo Brasil, batucar menos o tamborim e pressionar o dedo nos números corretos na urna. Em ano de eleição, a copa do mundo é pura distração, soa como etiqueta de promoção, onde a oferta ruim mas a vitrine é linda. É Serra Leoa embrulhada em papel de presente de Miami. Vai pagar em quantas vezes?


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação 


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