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Entre a Somália e a Suíça
quinta-feira, 05 de setembro de 2013
Nosso Brasil brasileiro, onde canta o sabiá, vive alternando entre a Suíça e Somália, entre a Finlândia e Botsuana. Nós contribuintes somos jogados de lado e tratados como consumidores de terceira categoria pelo Estado, que deveria nos acolher e perceber que somos nós quem sustentamos sua massa falida.
Leis complexas definem a teoria de nossas vidas, mas é o descaso de sua aplicação e fiscalização corrupta que exemplificam a prática de nosso dia a dia.
O Estado não se cansa de posar de tutor, onde rompe em bravatas e ameaças, com promessas de controle e cuidado. Mas a despeito do amor de mãe, se comporta como um padrasto déspota que impõe o que lhe convém e ignora repetidamente o cumprimento da lei. Não bastasse legista vergonhosamente em seu próprio interesse, contrariando o interesse de seu consumidor.
Recentes operações do Estado com câmeras e softwares especiais leem as placas dos veículos, acessam os bancos de dados do Detran e localizam maus pagadores. Em seguida os param, multam e apreendem. Afinal, o Estado precisa de receita. Até aí 100% certo — mas o mesmo Estado que espalha galhardetes pelas ruas (descumprindo a lei municipal que proibi tal prática) do programa "Asfalto na Porta”, e enquanto se gaba de seus feitos, com vistas à reeleição, ignora todos os rebaixos de bueiros, que funcionam como grandes buracos, a ausência de sinalização horizontal resultante da ação, colocando em risco a vida de motoristas pedestres e motociclistas, e deixa emendas de péssima qualidade. Presta um serviço ruim, não se fiscaliza, mas se acha senhor da fiscalização de seu consumidor.
A população, tão acostumada a pagar impostos que proporcionariam uma vida de primeiro mundo e tão maltratada como consumidora de terceiro mundo, não reclama, porque na prática ainda é melhor asfalto incompleto do que barro, lama e muitos mais buracos.
Vejamos a Lei Seca, outro exemplo do abismo entre o real e o irreal. Que fique claro: sou absolutamente favorável ao tratamento criminoso a quem arrisca a vida de terceiros por conta do uso excessivo de álcool. Mas chamar de criminoso quem toma um chope, uma taça de vinho ou quem está dirigindo cuidadosamente é uma aberração.
Nossa Botsuana junta tudo num balaio de gatos. O poder público caça e trata como criminoso quem bebe qualquer volume de álcool. Caça porque manda parar mesmo quem dirige direito e não somente quem anda de forma irresponsável. Caça, porque monta armadilhas, encurralando.
Enquanto isso, na mais perfeita prova do nosso subdesenvolvimento, usuários que trafegam com o som aos berros que perturbam a todos e o fazem sem ouvir outros veículos seguem em paz, não há decibelímetros. Playboys, com seus faróis azuis ridículos ou que trafegam só de lanterna, arriscam a todos com sua sinalização ilegal, e seguem felizes. Cheirados e fumados são tratados como vítimas do narcotráfico em vez de financiadores do crime e da insegurança dirigem seus carros sossegadamente. Os velocistas chegam cedo em casa porque não há pardais móveis capazes de retê-los. Todos passam por você, você que é bêbado e perigoso, sob efeito de sua taça de vinho. Isso é o arquétipo das soluções de terceiro mundo. É muita Finlândia para uma Botsuana só.
No mundo civilizado não há caçada. Quem dá sinais visíveis de direção perigosa, este sim é parado, ou quem se envolve em um acidente é vistoriado. Assim cria-se responsabilidade. A fiscalização não é eventual, é constante, o Estado se impõe e respeita seu consumidor contribuinte.
O consumidor do poder público, no Brasil, é muito maltratado. Mensalidades abusivas na forma de impostos, aumentos sem programação ou regra em função de interesses políticos, prestação de serviço de péssima qualidade, promessas infindáveis na forma de propaganda enganosa em período de campanha e entregas decepcionantes, incompletas e corruptas em tempo de execução. Nosso legislativo parece viver na Finlândia com as verbas dos impostos e em Angola na hora de aplicá-las.
O mesmo Estado que fiscaliza o trabalho das concessionárias não entrega nada que compete a este mesmo Estado. Ele fecha planos de saúde, interfere na liquidez dos mesmos, mas é incapaz de entregar sua parte da saúde. Primeiro mundo a quem mando, terceiro a quem entrego. O Estado vive assim.
O consumidor no Brasil alterna também entre a Somália e a Finlândia, pois o Estado insiste em criar regras que não pode cumprir, gerando um círculo vicioso que dá ao cidadão a mesma sensação de direito.
O poder público descumpre todas as regras de marketing que envolvem a relação consumidor e prestador de serviço, apoia-se no monopólio que o sustenta e é absolutamente incompetente em tudo que faz para seus clientes, porque o produto Brasil é bom, o que estraga é o prestador de serviço.
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de
Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,
professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação
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