Empreendedorismo da catástrofe

quinta-feira, 03 de abril de 2014

Dentre muitos mantras repetidos até a exaustão, um em particular me preocupa e me incomoda um pouco mais: a doutrina do empreendedorismo.

Num país onde a educação é considerada algo supérfluo, o jeitinho é orgulho nacional e a teimosia faz parte do slogan de ser brasileiro, vejo o empreendedorismo com olhos lacrimejantes.

Não faz muito tempo, a Revista Veja publicou um extenso estudo sobre educação pública no país, onde alunos, professores e pais estavam todos satisfeitos com a aprovação automática, demonstrando que o interesse de todos não é no resultado, mas na rotina. Rotina fácil e vida medíocre, mas esta lógica tratamos mais à frente.

O jeitinho brasileiro venera o improviso como solução administrativa, produtiva, comercial e de consumo, transforma a criatividade em pai da solução, afastando o conhecimento, a vivência ou a pesquisa; e, gabando-se da gambiarra como quem se orgulha de um filho, o brasileiro padrão acredita que criatividade é sinal de inteligência e finaliza seu perfil com um patético e conformista slogan: "Sou brasileiro e não desisto nunca”. Slogan que prefiro entender como o mantra do teimoso que não sabe o que fazer e insiste, teima até que fale, e então falece. 

Enquanto consultores ganham dinheiro às custas da autoajuda, falando que brasileiro precisa melhorar sua autoestima, acredito que precisamos é baixar a nossa bola. Nosso problema não é falta ou excesso de autoestima, mas uma persistente incompreensão entre causa e consequência, uma irresponsabilidade genética relativa ao que será do futuro, seja ele próximo ou distante.

Nesta terça, o Brasil ficou em 38ª colocação entre 44 países no quesito raciocínio lógico. Veja bem que isso não é uma disciplina formal, mas um modo de pensar, um modo de ensinar e aprender. O estudo foi realizado pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e divulgado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), sediada em Paris. O resultado demonstra claramente que criativos burros, teimosos ou ignorantes podem existir, desdizendo a crença popular de que o esperto é inteligente; será o nosso caso!?

O Brasil não precisa de empreendedores, não se mantidos os termos atuais que misturam num mesmo saco de gatos aventureiros com empresários. Quando se pergunta por que empreender, a resposta maciça é "para não ter mais patrão”. Não existe foco em rentabilidade, em prosperidade, em acreditar em um causa, nada, é a pura malemolência que leva a manada a empreender. Não há um plano de negócio, não há conhecimento do mercado, é o sonho da independência a grande razão. É sonho, não é plano! Não há investimento em melhores práticas, aliás, não há investimentos. O negócio é comumente visto como uma mula, que deve prover tudo ao senhor feudal, e em dois anos, 45% a 50% deles estará quebrado (fonte Sebrae). E o número pode ser maior, porque parte das empresas não dão baixa no cadastro ou não saem do mercado porque o uso de ativos especializados é alto e impede ou retarda a saída. Deste modo, os 55% que ficam não são, necessariamente, negócios rentáveis ou que ajudam de fato na prosperidade daquela família ou pessoa.

Parte deste erro no empreender advém do uso de ex-colaboradores descomprometidos que, repetindo condutas superficiais até então dedicadas aos seus ex-empregadores, empreendem mantendo a performance e rapidamente sufocam. Repetindo seu toque de Midas subdesenvolvido, transformam em ferro todo ouro que tocam. Parece que ninguém fala, grita ou sinaliza ao menos, que os comportamentos são determinantes, juntamente com o conhecimento, preparo e oportunidade para que o negócio sobreviva — e mais: viva e dê frutos.

Nossa 38ª posição em lógica é o retrato da ausência de correlação entre causa e consequência que norteia nossa realidade. Um estado que governa com foco apenas em quatro anos, um ex-trabalhador padrão que busca apenas independência, não prosperidade para si ou para a comunidade e um aluno que quer terminar os estudos, não aprender. Ninguém parece focado no resultado, ou capaz de compreender a relação exata do resultado com a ação. 

Assusta, porque tanto na filosofia, na religião (princípios usados no cristianismo e no budismo), como na física (terceira lei de Newton), causa e efeito ou ação e reação sempre estiveram juntos, mas compreender isso exige lógica, matéria agora comprovadamente escassa no país do futuro.

Empreender com despreparo, insistir sem conhecimento, estudar sem aprender são só algumas ações que têm consequências previsíveis e catastróficas, e o que enxergamos agora não é a consequência, mas a ponta do iceberg.

A lógica é que insistir na falta de lógica vai continuar fazendo do aluno um péssimo profissional, do profissional um péssimo empreendedor e do empreendedor alguém em uma atividade de altíssimo risco. Afinal, se fosse uma cirurgia, você deitaria na mesa com 50% de chance de morrer? Ainda assim, é o sonho do brasileiro médio, empreender e falir em até 2 anos, afinal, sou brasileiro e não desisto nunca, não é assim que dizem por aí?!


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de 

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

 professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação


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