Eleições brasileiras e bichos australianos

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Todo ano que tem eleição é disso que se trata na maior parte do tempo, para a maior parte dos candidatos, para a maior parte dos eleitores: de um televisivo rendez-vous.

Uma espécie de dança do acasalamento que visa fecundar votos, perpetuar espécies políticas e, num Darwin invertido, selecionar os mais fracos. O ritual parece querer gerar um cruzamento de um macho de coala e uma fêmea de equidna-de-bico-curto.

É, caro leitor, isso não é uma coluna de ciências animais, mas humanas, portanto, marketing em sua essência! 

Esse bicho fêmea sugerido acima, que parece um porco-espinho, é um mamífero que se alimenta de formigas e cupins, habita a Austrália e não dá a menor bola para sexo! Os machos acham as fêmeas hibernando e quando acontece de as fêmeas acordam durante o ato, voltam a dormir na mesma hora. Já os coalas (também australianos) machos, na época do acasalamento, berram e muito. Berram se fazendo passar por animais bem maiores do que são; afinal, as fêmeas os escolhem pelo berro.

Neste paralelo científico, sem paralelos, estamos nós, eleitores, cheios de espinhos e sono, e políticos coalas, coalas berradores! 

Seus berros ecoam em calçadas na forma de placas, cheias de sorrisos cínicos. Já viu a cara da imensa maioria dos candidatos?! Aquele sorriso me diz algo, mas algo bem ruim. Sorrisos que guardam razoável tom de quem está esperando a eleição passar para sumir por uns quatro anos, eu diria. Cara de quem está aproveitando o fato de que todos hibernamos.

Programas políticos com soluções mágicas, sempre prometidas e nunca cumpridas. É tudo dança do acasalamento, promessas, rituais, beijinho na criancinha durante a campanha que vai virar beijinho no ombro em menos de um mês, logo que virar outubro. Seus berros são também jargões ensaiados, personagens caricaturados de nós mesmos, são coalas mimetizados com espinhos, são berros que não acordam ninguém, e seguimos dormindo.

Não bastasse o tom monocórdio, eles só aparecem na época do acasalamento, de quatro em quatro anos, e somem em sua imensa maioria, e ainda assim conseguem perpetuar sua espécie. Culpam o sistema que fazem parte, o sistema que absurdamente define seus próprios privilégios e o que me preocupa é que seguem longe de ser uma espécie ameaçada de extinção, e não abre a temporada de caça! Coalas berradores estão mais para pragas, que para algo benéfico neste meio ambiente político.

Mas se engana quem crê que coalas machos são os bichos estranhos. Verdadeiramente estranhos somos nós, os espinhosos dorminhocos, que seguimos impávidos. Estranho é copularmos nossos votos com propostas superficiais, que não representam nossas opiniões ou interesses, e seguimos o macho-alfa da manada de coalas berradores. Como num jogo de futebol, queremos ganhar! Totalmente sem sentido. Totalmente estranho. As pesquisas de opinião mudam opiniões, em vez de representá-las. Coalas são escolhidos pelo berro e pelo desempenho em pesquisas, nunca por seus genes, nunca por seus atributos de coala.

O efeito manada, de seguirmos uns aos outros, se aplica aqui também, sem motivação, sem paixão, sem comprometimento, apenas seguindo. Abrimos nossos olhos por breve relance, olhamos, e voltamos a dormir, feito nossa amiga equidna-de-bico-curto. Enquanto isso, muitos berros... E a gente dorme!


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação 

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