É anilina mesmo

sábado, 31 de julho de 2010

A natureza humana, em especial a natureza do consumo, sempre foi seduzida por histórias complementares que envolvam pessoas, lugares e coisas. Na verdade mais do que seduzir, via de regra, transforma pessoas em mitos, lugares em visita obrigatória e coisas em ícones de desejo.

Florear, enfeitar, inventar ... sempre deu ao consumidor uma atmosfera, que embora não seja palpável, sente-se via de regra no bolso. Mas fazer o quê? – é assim que gostamos, o caro é sempre mais raro.

Nesta lógica, lugares onde uma princesa foi são sempre melhores que aqueles os quais ela não foi. Brigitte Bardot colocou Búzios no mapa e nunca mais foi a então aldeia de pescadores que era. James Bond transformou o Aston Martin num carro envolto em sedução e desejo e por aí vai.

Lembro de uma pousada onde em uma conversa de cachaça, daquelas sem compromisso, surgiu uma história, ricamente inventada, que passou a figurar no home do site, no folder e na cabeceira das camas, sobre um determinado barão que fora dono destas terras, e os móveis da recepção obviamente fizeram parte da casa grande e até uma árvore da propriedade fora plantada no dia de seu nascimento nos idos de vovô garoto.

Histórias, adoramos histórias.

Neste ritmo de puro envolvimento em minhas recentes férias, fui a um paraíso ladeado por uma tribo indígena, na Bahia, quando, sentado em uma cadeira de praia, me vi cercado por diversos de seus componentes, tratava-se de um ataque (não se assuste, caro leitor) era de cunho comercial. Artesanatos diversos, cuias, cordões, talheres, decorações, enfim...

Interessado pelo processo produtivo e cultura indígena, comecei a conversar com eles e vi diversas cores em seus cordões...cores vibrantes e comecei a imaginar que ‘urucuns’ eram aqueles...ou seja, quais raízes, frutos, cascas dariam tamanha variedade de cores e de forma curiosa questionei: - Como pintam isso: frutos, raízes? – induzindo a resposta que todo turista que ouvir.

Me responde a indiazinha sem pestanejar, num “baianês” muito mais forte que qualquer pataxó podia esperar : – não é fruto, não, é anilina mesmo!

No mesmo momento virei meus olhos de volta ao mar azul, do qual fiquei com medo de ser de anilina também e comecei a pensar que o fruto do ‘acme das couves’, ou qualquer outra fruta da Bahia ou Amazônia, seria muito mais romântico e marcante que a anilina do supermercado e que com anilina nenhum cordão seria comprado...como dizer a alguem que o presente era colorido com anilina?!

Os processos de compras são sempre mais emocionais do que racionais, e contextualizá-los é obrigação do vendedor, pois enriquece o processo de venda (no sentido figurado) e o vendedor também (no sentido literal).

Pataxós e não Pataxós, uni-vos e cuidem de seus processos de venda. A verdade, nunca deve ser mentida, mas muitas nunca devem ser ditas, devem ser ocultadas, floreadas, coloridas, se me permitem o trocadilho. Mas se usarem anilina, por favor, não me contem jamais.

“Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC/RJ, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.”

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