Desejo segmentado

quarta-feira, 03 de dezembro de 2014

É Natal, tempo de amor, esperança.... tempo de consumo?

Não sou eu que estou dizendo, mas marcas, consumidores, crianças... todos querem ganhar!

Cada vez mais a roda gira e girando leva tudo a sua frente, esmaga cada vez mais o consumidor na direção do desejo, do ter, no foco do querer e no peso da frustração por não possuir.

Mais que luzes piscando, piscam os olhos ao verem itens que se tornaram indispensáveis, não para o dia a dia, mas para a felicidade. Ter é ser — e ninguém mais parece ser se não tiver. 

Conjugar verbo em dezembro é: eu desejo, você me dá, ele me presenteia. Nós recebemos, vocês me satisfazem, eles me fazem feliz.

Curioso como o marketing conseguiu segmentar o desejo, ou seja, criou camadas, fatias, dividiu e agrupou consumidores em patamares de consumo e de desejo, criando como verdade algo que é pura mentira e faz com que cada um de nós foque em itens que quase podemos ter, e assim, mantém a roda girando, esmagando, etc.

Um sonha com seu carrinho de brinquedo, outro com seu primeiro carro usado de 1980, outro sonha com seu popular zero, outro quer seu sedan luxo e há quem queira sua Ferrari sob encomenda. Cada um se frustra ou sonha com aquilo que é alcançável ou que tem relevância e significado no ambiente social em que vive.

Jean Baudrillard, um pensador francês, já falecido, de quem sou fã, dizia que os objetos possuíam além de seu valor de uso e de troca, um valor de signo, valor esse que era determinante nas práticas de consumo, e também considerava bastante danosas tais práticas.

Deste modo, os objetos têm referência a cada sociedade e cada classe desta sociedade. Um carro com um equipamento ensurdecedor de som tem ressonância em determinada classe social, em determinada idade, em determinado tempo social, e pode ter mais significado do que o próprio carro que o carrega. Assim, o que seria um constrangimento para mim, desfilar num carro com o som aos berros, incomodando a todos, pode e é o sonho de consumo de outro, porque em seu círculo social há admiração, há significado positivo em tal comportamento.

Deste modo o mercado cria soluções, felicidades e frustrações para cada bolso, vontade, tempo social e realidade. A roda não para jamais.

Em tempo de Natal, a publicidade explode e foca na recompensa do "você merece”; trabalha cuidadosamente a perspectiva do "você deseja”; e cria estereótipos capazes de fazer você se ver no comercial, na novela e na revista onde tais objetos ganham seus signos; e esta mesma publicidade produz em você, em mim, em nós o sentimento da felicidade que pode ser alcançada, comprada. Quase se pode ler ou ouvir nos comerciais: Leve felicidade agora e pague só depois do carnaval!

Não há novidade em tudo isso, mas existe um agravamento de tudo isso. Cada vez mais o mercado nos torna mais impessoais, mais manipuláveis e menos críticos. Crianças estão sendo criadas por canais infantis com publicidade bem crescida e agressiva, e cada vez mais sozinhas e sem quem as diga que felicidade não pode ser comprada em 10 vezes sem juros e que cartão de crédito não é um troço mágico que atraia coisas que saem de graça. Essas crianças estão olhando cada vez mais para o Natal e para vida, como algo de prateleira, e a continuar assim não saberão jamais o que realmente é felicidade. Trabalharão para comprar e terão que trabalhar ainda mais para comprar mais, sempre em busca de felicidade.

Felicidade é o que move tudo, essa é a resposta que todos concordam. Abra uma Coca-Cola e abra felicidade... diz o slogan. No passado o caminho para a felicidade variava, mudava de um indivíduo para o outro, mas o consumo cada vez mais unifica o conceito de felicidade dentro de si, ou seja, comprar é a solução, o que comprar é que muda. A segmentação daquilo que nos faz feliz parece resolver todos os problemas, é só escolher o cabe no seu bolso; tem desde o carrinho de brinquedo à Ferrari. 


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto

de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia

Ambiental, professor titular da Ucam e sócio da Target Comunicação


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