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Concorrência é um saco!
Diz a lenda que concorrente bom é concorrente morto. Quando se estuda uma matriz de consumidores, há um tipo solitário que fica com alto desempenho no quesito fidelidade, apesar de baixíssima performance no item satisfação. Esse personagem de história de terror é o chamado consumidor-refém. Ele vive deste jeito, triste e em retidão, por conta de fatores que quase sempre se baseiam em contratos com multas pesadas ou monopólios, mas também pode ser concessões ou ritos práticos.
Todos os meses em muitas agências de lotérica ou bancárias empoleiram-se clientes do serviço pagamento, como se pagar não fosse por si só um maltrato, é preciso entregar-se a 40, 60 minutos de fila, todos os meses. Revistados, preteridos, entalados em portas giratórias, tudo para pagar uma conta ou receber uma aposentadoria. Mês a pós mês o mesmo rito.
Todos os meses, há quem receba uma fatura onde paga por água e esgoto, e por vezes recebe água e ar. O que dizer da telefonia fixa? Experimente um problema, e você descobrirá que para começar a reclamar já será necessário esperar uma hora, o que já é motivo de sobra para outra reclamação.
O que dizer de um negócio onde você submete seus clientes a um único dia de marcação no mês, por um único processo, o telefônico, por exemplo, e o subjulga a uma maratona de tons de ocupado que culmina com um atendente indiferente, doutrinado por seu líder, que informa que agora só no dia primeiro do próximo mês você poderá tentar uma consulta para daqui a três meses.
Imagine um mundo sem concorrência e com contratos que obrigue seu consumidor a pagar por um serviço que custe quatro meses de trabalho de seu cliente e que quando o desafortunado for consumir, tenha avisos espalhados, por todo o atendimento, lembrando-o que desacatar um funcionário seu, pode resultar na prisão do cliente mal atendido.
Ah, mundo dos sonhos, voltar a dormir como uma criança, sem preocupações com a satisfação do meu cliente!
Realmente o mundo perfeito existe, num mundo sem concorrentes, e cheio de superpoderes e superintendentes, há tantos outros serviços onde não há escolhas, alternativa, esperança. No mundo real, feito por nós mortais, seria impossível prosperar ignorando o conforto de nossos clientes e submetendo-os a rituais mensais de espera, desconforto e detectores de metais. Fico imaginando o que seriam de empresas num mercado de livre concorrência que pudessem não entregar sempre o prometido e entregar às vezes o que jamais foi pedido nem desejado.
Quais as chances de uma empresa não estar pronta a evitar reclamações e também a ouvi-las? Teria essa empresa chances reais de prosperar?
Qual boutique, loja, lojinha, ou mesmo uma simples carrocinha de cachorro-quente não sonharia em trabalhar mal e segui em paz. Imagina a carrocinha poder entregar uma salsicha pequena, cobrar por uma grande e ninguém poder reclamar? Imagine-a com um cartaz: reclamar da salsicha dá cadeia!
É... um mundo sem concorrência ou com contratos unilaterais cria um mundo dos deuses a quem vende e um inferno a quem compra.
A cultura do marketing, ou seja, orientada a clientes, ainda é muito incipiente e muito concentrada na iniciativa privada e em mercados de alta concorrência. Por mais que o marketing foque em resultado, ele compreende que a salvação se dá por um bom relacionamento com seu cliente.
Ao que tudo indica, a natureza humana, tão evidente na natureza dos negócios, ainda permanece focada apenas em si, ignorando qualquer outra necessidade, qualquer outro ator envolvido no processo.
Parece que nossa natureza é composta mesmo por dois seres, yin e yang, bem e mal, sapo e príncipe, comprador e vendedor, e nesta mesma lógica, queremos ser vendedores num mundo de monopólios e comprar num mundo de livre concorrência.
A julgar a rentabilidade dos monopólios e as altas concentrações do capital, parece que seremos todos escravos de um mundo sem concorrência.
“Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC/RJ, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.”
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