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Compre Batom
“Compre Batom”, “compre Batom”, repetia o mantra da propaganda do chocolate. Na verdade nada mais era do que uma alusão ao objetivo essencial do comercial que é “compre Batom”.
Deste modo a indústria não joga para perder, isso é sabido e cada vez mais verdade. Vender “de novo, novamente, mais uma vez e recomeçar tudo de novo” continua essencial e assim será. Se não for possível fazê-lo comprar mais do mesmo produto, então o foco é substituí-lo.
A cartilha do Ciclo de Vida de Produtos, a qual dita que produtos nascem, prosperam, atingem o apogeu e declinam, cada vez mais é uma realidade nas nossas prateleiras, onde os modelos novos vão substituindo os modelos que estavam ótimos até a véspera, e dentro de você vai nascendo uma necessidade física de substituir, o agora, antigo pelo novo.
Vejamos as TVs, itens de consumo tão íntimos de nossas residências. Lembram delas em preto e branco, com chuviscos e muitos fantasmas? Foram substituídas pelas coloridas, que depois foram substituídas por telas maiores, e maiores e planas e quando tudo parecia sereno e calmo, inventaram o plasma e o LCD, e surgiu em nosso âmago a necessidade de tê-las. A sua TV, agora, era a de tubo catódico, trambolhuda e velha. Sua antiga companheira de noites, diversões e informações havia se transformado em um objeto símbolo de sua insuficiência financeira, de exclusão social e de imobilidade tecnológica. A propaganda, as matérias pagas que circulam em revistas, os consumidores inovadores (aqueles que pagam mais para sussurrar em seu ouvido “eu tenho você não tem”) todos tramam contra você, e a conspiração tem um objetivo simples: fazer você trocar de TV, você precisa ter a nova TV de plasma ou LCD!
De bem com o crediário, não se sabe bem por quanto tempo, lá vamos nós, TV nova! Uau!...mas antes que você possa comemorar, lá está a TV de LCD com HDTV, um novo conceito, e grátis, um novo mal-estar...adivinha? Você precisa trocar de TV de novo. A programação full HDTV ainda demora, mas isso pouco importa, a interatividade prometida, ainda engatinha, mas isso pouco importa, sua rua é de paralelepípedo, o sistema de saúde é precário, você ganha muito menos do que merece, mas nada importa, desde que triunfemos com uma TV que seja full HD, e mesmo que não saibamos direito o que é isso, mas deixa o nosso sono mais gostoso, nossa vida mais alegre, o sol que nos ilumina mais radiante...
O curioso é que o padrão das TVs não será esse, nem mesmo as TVs de LEDs que hoje custam bem mais e são anunciadas como o estado da arte, mas sim o padrão de TV por emissão de laser, essas ainda restritas à classe A top de linha, aquela parcela da classe A com renda mensal superior a cinquenta mil dólares mensais.
Faça o que fizer, nós mortais, nunca estaremos no estado da arte do consumo, mas o mercado sempre fará com que você se sinta o escolhido e capaz de alcançá-lo, nem que seja por um breve momento, de forma a renovar suas esperanças no consumo e retornar ao velho, mas jamais ultrapassado, crediário. E não esqueça, compre Batom!
“Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC/RJ, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.”
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