Bunda x cérebro

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A Nat Geo, canal a cabo, criou uma série nacional chamada Os Incríveis – O Grande Desafio. Trata-se de um reality show que traz grandes fenômenos, pessoas com capacidades mentais fora da média. Inteligência, memória, raciocínio e outros dons, num formato de competição, desafios, eliminações etc. De outro lado a Rede Globo já sinaliza que em 2014 volta com seu BBB, na 14ª edição, com um faturamento previsto de 160 milhões de reais, somente via cotas de patrocínios, excluindo-se daí os comerciais da grade do programa e fora as ações de plug, aquelas onde marcas e produtos se integram ao programa, vulgarmente chamadas de merchandise. 

De um lado a Nat Geo oferece 100 mil reais ao ganhador enquanto a Globo entrega 15 vezes mais.

O comparativo acima demonstra a lógica reinante: bunda rende 15 vezes mais que o cérebro ao competidor e muitas dezenas de vezes à emissora. 

Os conclamados heróis fúteis, bajulados pelo personagem de Pedro Bial, interessam muito mais a população do que a capacidade mental das pessoas. Panis et Circenses ou Pão e Circo ainda é a lógica humana, mesmo dois mil anos depois de César comandar Roma.

Assim seguimos estes rituais no consumo, política e no trato social. Numa sociedade que transforma o físico em transcendental, o mental em banal e o espiritual em supérfluo. Seguimos consequentemente valorizando os atributos físicos acima de outras qualidades.

No consumo embalagens vendem mais que conteúdos; é a era da superficialidade multicanal. Todas as instâncias o físico é indispensável. Vivemos de aparência, vivemos pelas aparências, e por vezes aparentamos viver. A ode ao corpo aparente, o culto à bunda e a submissão do cérebro leva investimentos significativos à epiderme e o mínimo a massa cinzenta.

Nunca tivemos tantas coisas para dar mais tempo ao nosso dia e nunca fomos tão superficiais. Tablets, celulares, internet, tantos meios de comunicação pessoal e nunca se falou tão pouco sobre algo consistente, significativo ou real.

A comunicação de massa nunca alcançou tanta gente e nunca tão pouca gente usou isso para melhorar de vida. A superficialidade está por todo lado. O que é superficial é temporário, efêmero ao extremo. Assim marcas são elevadas ao Olimpo e chamuscadas por Nero num piscar de olhos. Produtos são feitos para durar pouco, cada vez menos. As relações pessoais encarnam o consumo e só o que brilha atrai. Muita bunda, muita purpurina, muita rotatividade.

O consumo consegue pouco a pouco emplacar seu implacável modelo de vida, rápido, ágil, marcado pela substituição, pela aparência e pela superficialidade. Isso é ótimo para os negócios. São cremes, silicones, megahairs, roupas, cores muitos segmentos em desenvolvimento e que obedecem a lógica da novidade constante. 

Assim o mundo das bundas segue próspero, os poucos cérebros em funcionamento seguem determinando como conseguir mais dinheiro, criando mais superficialidade, mais substituições, mais necessidades neste mundo rápido que evita a pergunta e que tem todas as respostas.


"Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração e Gerência da PUC/RJ, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.” 

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