Álcool na mídia

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Somos um país sem de muitas nacionalidades. Orbitando entre o Zimbábue e a Dinamarca, seguimos confusos, ou talvez até bêbados, com os contrastes entre legislação, mercado e consumo.

A Procuradoria Geral da República tentou, e perdeu, restringir a propaganda de cerveja e vinho na mídia, como acontece com bebidas de maior teor alcoólico. As bebidas com até 13 graus permanecem com liberação de propaganda a qualquer horário, incluindo a faixa entre seis da manhã até às nove da noite.

As bebidas de maior graduação têm diversas restrições de comunicação, como associar a bebida ao esporte, à saúde, condução de veículos e restrições horárias, por exemplo.

Mantida a liberação, nossos filhos, aqueles ainda crianças e adolescentes, continuam podendo, entre um desenho e outro, ou entre um filme e outro, ter contato com as cervejas e suas promessas subliminares de corpos sarados, mulheres espetaculares e muitos amigos.

A construção dos estereótipos, sempre tão bem utilizadas na publicidade, e tão mais ainda necessária quando o assunto é cerveja, é um prato cheio, ou melhor, um copo cheio na criação do mito e no reforço do mesmo, de que cerveja é o melhor meio de fazer amigos e ser feliz.

A publicidade vive dos estereótipos, que constroem modelos que são facilmente entendidos por quem a assiste e de forma evidente, mas não acintosa, cria mitos e consequentemente consegue que tais modelos de comportamentos sejam perpetuados.

De preço baixo, e culturalmente muito difundida, a cerveja ainda gira muito dinheiro e atende a muitos interesses quer sejam sociais ou econômicos. A cultura do boteco, do happy hour e do pileque que não faz mal, reforçam o álcool na juventude, no trânsito e em tantos outros lugares.

A guerra ao fumo mostrou sua eficiência e provou junto o valor da publicidade como fator determinante na geração de padrões de comportamento. Fumantes novos hoje são exceção, e ex-fumantes das antigas são regra, e a publicidade foi fundamental nesta mudança de cultura, comportamento e modelos.

Muito melhor que caçar motoristas nas ruas, quase sempre à noite, em blitz de lei seca, seria desencorajar o consumo de bebida através da restrição da publicidade explicita e da aceitação social que toda esta liberdade publicitária permite. Afinal se bebo cerveja na praia ainda de manhã, que mal há em fazer isso à tarde e também à noite?!

O álcool pode continuar fazendo parte de nossa cultura, e se posso expressar claramente minha opinião, faço votos, mas precisa ser uma decisão cada vez mais de adulto e cada vez mais restrita a ambientes, horários e momentos. A permissão de propaganda de cerveja em horários sabidamente dominados por crianças e adolescentes é algo que pode ser muito covarde.

A publicidade tem muito mais efeito que se imagina, e quase sempre é construída com pitadas de verdades existentes e pitadas de verdades que se deseja, e pouco a pouco vai ganhando representação em um comportamento. Mas a publicidade também é a representação de uma sociedade, de seus valores e preferências. Claramente não caberia mesmo ao STF julgar a questão, mas sim à sociedade ter discutido o tema, mas pouco se falou disso, afinal, quem poderia trazer o assunto à discussão ainda tem boa parte de suas contas pagas pelo álcool. Saúde!

“Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de Administração e Gerência da PUC/RJ, professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação.”
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