A verdade das mentiras que vivemos

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Existiu um homem, que adorava música clássica e pintura, que conseguiu reverter a hiperinflação a no máximo 25% ao ano, que quando jovem pensou em seguir a carreira artística, e que diminuiu o desemprego de seis milhões e 900 mil pessoas. Essas são frases de um comercial de TV. Enquanto tais frases eram ditas, a câmera em zoom out mostrava que este homem era Hitler e assinava: é possível contar um monte de mentiras falando apenas a verdade. Este premiadíssimo comercial da Folha de São Paulo talvez exemplifique de forma contundente e única a verdade das mentiras que vivemos ou a mentira das verdades que vivemos, ainda não sei bem ao certo.

A cada 19 segundos a população brasileira aumenta em um cidadão, um a cada quatro brasileiros vive de bolsa família, então a cada um minuto e dezesseis segundos temos mais um dependente financeiro, e mais três financiadores de bolsa família. Vivemos numa verdade que resulta em um crescimento populacional maior que nosso produto interno bruto, o que significa que a riqueza aqui produzida precisa ser dividida em vez de multiplicada.

Vivemos uma epidemia de dependência financeira, num país de tamanho potencial. O que falta não é oportunidade, mas mentalidade que almeje prosperidade e poder público capaz de provocar melhorias.

Se nossa população cresce a taxas maiores do que a nossa economia temos menos dinheiro para cada pessoa, assim nossa economia desenha um padrão incapaz de gerar riquezas e cada vez mais viciado em um modelo político, e não econômico ou social. Neste modelo, sentenciamos 3/4 das novas gerações a trabalharem cada vez mais e ganharem cada vez menos e 1/4 a não trabalharem nada para ganharem um pouco e o que assusta muito, o que lhes parece suficiente.

O custo de produtos, serviços e emprego precisará continuar crescendo para financiar essa dependência política, ampliando a incapacidade do estado de financiar saúde, educação, segurança e prosperidade, e empurrando em duplicidade ao mercado consumidor o custo de querer algo mais. Empresários e empregados precisam financiar o política que não oportuniza mercado consumidor e financiar suas próprias necessidades e desejos.

Nosso modelo eleitoral garante que o marketing tenha destaque maior que plataformas políticas. Não discutimos um futuro produtivo, mas um futuro ameaçado. O marketing político usa de sua capacidade de ecoar em mentes mais frágeis seus transmissores potentes de demagogia e temor; e assim, neurônios desnutridos vibram no tom da dependência, sem qualquer projeto de desenvolvimento humano ou econômico, mas apenas capaz de perpetuar um partido. 

Com estratégias baseadas em medo e contrainformação, o marketing político mina a economia e garante pra si o voto num país onde pensar é desestimulado e mentiras são construídas por verdades parciais ou, simplesmente, por mentiras descaradas. 

Mentir no palanque ou no debate não causa dano ou responsabilidade. A permissão de propagar ideias é perigosamente confundida com falta de caráter e, sob a proteção da democracia, o interesse próprio se esconde em promessas e temores falsos. 

Mentimos para o guarda para evitar a multa, mentimos para o professor para não perder o ponto, mentimos para o chefe para manter o bônus, mentimos para o eleitor para conseguir o voto. 

Enquanto vivermos de mentiras, a verdade de nossa economia, o mercado de consumo e sua potência capaz de empregar, desenvolver e transformar estarão permanentemente sob ameaça. Nosso futuro está sendo construído numa base que mistura muitas verdades que montam uma grande mentira, e com grandes mentiras que formam uma realidade que não deveria ser verdade.


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação


TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.