A religião do Empreender

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O termo empreender virou verbo comum e quase um sinônimo de bom caráter, de grande sorte de qualidades e o sonho de quase toda a população. Na verdade a população parece dividir-se em dois únicos grupos, que são os empreendedores e os concursados, ficando todos que estão fora desta categoria condenados ao purgatório e vivendo sobre o estereótipo do fracasso.

A nova religião, Empreender, parece ter coagido e menosprezado a todos que não se enquadram nesta condição, igualmente mortal, de ter um negócio. Os predicados dos empreendedores parecem ser, aparentemente, mais valorizados que os demais predicados que constituem outras pessoas igualmente valiosas, e igualmente dotadas de qualidades diferentes, mas não menos importantes, não menos complementares umas as outras e capazes de viver em harmonia e em igualdade de valor, isso sem falar no tema da autorrealização que cada um tem pra si. O massacre de empreender é tão grande que parece fazer com que todos acreditem que é isso que querem para si, pasteurizando a todos em um único tipo de pessoa, os "empreendedores”.

Existe enorme pressão empurrando todos no caminho de ter seu negócio, e juntos são semeados erros importantes, como a construção do herói empreendedor, dotado de superpoderes e visão de raio-X. O mito "sou brasileiro e não desisto nunca” transformou a todos nós não em pessoas mais preparadas, mas em um bando de teimosos que não sabem a hora de parar ou mudar de rumo. Tal visão embaçou a persistência tão necessária ao empreendedor e reduziu a aparente necessidade do preparo, planejamento, ação e capacidade de liderar e se arriscar.

 Sou dono de empresa e não consigo achar que sou melhor ou diferente de quando era empregado. Continuo sendo dedicado, responsável, investindo em planejamento e buscando entender tudo que me cerca.

É curioso como na criação do mito do empreendedor não se fala da solidão de decidir, vende-se a liberdade de escolha. Não se fala do risco das decisões, apenas do triunfo do acerto. Não se fala sobre a presença de muitos chefes (clientes) apenas vende-se a farsa de não se ter chefe, patrão etc. Aliás, essa é a característica comum. A maioria das pessoas com quem falo sobre empreender apresenta o motivo "não ter patrão” como justificativa. No melhor estilo "Rock – o lutador”, é preciso muito preparo, muita escada para subir e descer e certa pré-disposição para empreender. E repito, não é a salvação da alma de ninguém, assim não pode ser visto como doutrina, religião, fé!

A cultura quase doutrinária de empreender cria um sonho de que não há fracasso, não é necessário investimento, fundo de reserva, conhecimento e vocação. Acredito que pessoas possam ser felizes tendo negócios, trabalhando para o estado nas suas diversas esferas e trabalhando para iniciativa privada, quer seja em uma empresa familiar ou S/A.

O erro não está em empreender, mas em direcionar todo esforço em um único caminho, sem questionar as opções, sem questionar seus propósitos, sonhos, desejos, vocações e possibilidades. Sou empreendedor, sou um entusiasta do empreender, mas me recuso a ser um sacerdote de uma única verdade, ou de uma cultura segregadora que menospreza o diferente ou que qualifica a menos os outros imprescindíveis atores do show do mercado.

Fazer o que se gosta, o que se deseja, ainda é o melhor caminho para fazer bem feito e consequentemente livrar-se do fardo de realizar uma tarefa, e há muitos caminhos, do bem, para se alcançar isso. Onde quer que se esteja é preciso sim ter uma postura que some, que participe e que nos corresponsabilize pelos resultados. Fazer parte de algo, assim, quer seja como líder, colaborador, com garantias vitalícias, hereditárias, circunstanciais ou duradouras, é algo que quase sempre nos torna maior do que nós somos, mas quando não queremos estar ali, certamente nos transforma em algo muito menor que podemos ser, e a liderança ou a posse não nos deixa "menos pequeno”. Assim, não é a posição na empresa que temos quem nos define, mas a posição que assumimos diante da vida.


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de 

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

 professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação

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