Umberto Eco, o Mestre Libélula

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Foto de capa

Tão logo soube do falecimento de Umberto Eco, quis escrever esta coluna em sua homenagem e, nas primeiras frases, uma libélula pousou em meu pensamento.

Quando decidi escrever, passei por um aprendizado intenso, não em universidades, mas em oficinas, ao lado de colegas e professores, todos envolvidos no processo criativo que me permitiram mergulhar no fazer literário. Nesta formação de escritora, li obras variadas, estudei e adquiri algumas características da libélula.

Na oficina de literatura infantojuvenil, a mestra era Anna Cláudia Ramos, hoje escritora respeitada no Brasil. Grande amante e estudiosa da literatura, nos orientava para leituras a partir das quais escrevíamos textos, debatíamos temas importantes, como a presença de valores em histórias para crianças e jovens, organizávamos até apresentações de painéis. Quando estudávamos um autor, líamos seus livros, frase a frase, discutíamos conceitos e técnicas, parágrafos a parágrafos. Com Anna fiz uma formação densa durante oito anos. Sofri metamorfoses.

Um dos autores privilegiados em nossos estudos foi Umberto Eco e destaco SEIS PASSEIOS PELOS BOSQUES DA FICÇÃO. Mais tarde em outra oficina literária sob a orientação da poeta Lila Maia, usando a mesma metodologia, estudei “Confissões de um Jovem Romancista”. Aprofundei meu aprendizado na prática de textos bem-humorados na oficina de Márcio Paschoal, quando também experimentei a rapidez narrativa ao escrever contos e crônicas.

Com Umberto Eco aprendi a considerar o leitor no processo de escrita; deixei de escrever para mim, como inicialmente o fazia. Passei a escrever para o outro; um outro tão mergulhado em histórias como eu. Amadureci. Saí da postura narcisista, limitada aos meus sentimentos e percepções, para a de compartilhar ideias com leitores desconhecidos que penetrariam em toda minha efusão criativa. E, hoje, colho os frutos deste valioso aprendizado, escrevendo livros e crônicas, ambos direcionados à literatura infantojuvenil. Com a caneta nas mãos, fui distanciando meu olhar dos meus próprios pés e observando a realidade com quatro olhos, tal qual a libélula: dois são meus e têm singularidade; os outros da escritora Tereza, que se esforçam para compreender a existência humana.

O grande mestre me abriu as portas para o mundo da ficção, um universo tão real e possível, porém imaginado. Experimentei o princípio da verossimilhança na criação de textos e a grandiosidade desta aprendizagem fez com que meus personagens adquirissem vida própria; chegavam a decidir sobre os rumos da história, como foi o caso do Edu, um personagem do meu livro “Aventureiros da Serra”, que mudou a história tão logo me surgiu no imaginário, quando ainda estava no meio do processo de escrita do livro. Sua presença definiu uma série de situações; bastava colocá-lo na trama que me via diante de uma sucessão de acontecimentos.

Umberto Eco me chamou a atenção para os vazios do texto, que somente o leitor poderia preencher com percepção e inteligência. Eu que sempre quis dar tudo de mão beijada, como descrever alguns espantos e tristezas dos personagens, aprendi que não tinha o direito de exigir que ele percebesse a história a meu modo, bem como deveria oferecer-lhe liberdade para tirar suas próprias conclusões.

Nos bosques da ficção de Umberto, aprofundei o emprego das metáforas. Eu sempre as criava ao acaso, como pipoca estourando na panela. Aprendi que cada metáfora apresentava diferentes caminhos para a interpretação e enriqueciam o texto como pequenos diamantes. Aprendi a empregá-las com técnica, dando ao leitor condições para pensar e imaginar.

Quando comecei a escrever comumente me perdia durante a narrativa, o que me causava a terrível sensação de estar num bosque sem saber para onde ir, temendo escolher uma trilha e desabar numa cachoeira, sem saber como encontrar o lago de águas cristalinas.

O mestre libélula me mostrou o quanto trabalhoso e delicado era o fazer literário. Que eu deveria aproveitar a experiência de João e Maria ao deixarem pedacinhos de pão como rastros para evitar caminhos equivocados.

Além de me ensinar a valorizar a minha experiência existencial para retirar de cada instante um aprendizado, ele me ensinou a ser observadora dos fatos externos e das minhas sensações e consequentes reações; a cuidar do meu jardim particular e torná-lo fonte de inspiração.

Enfim, se continuar escrevo um livro. Se bem que neste momento atualizei meus aprendizados. Melhorei.

Com a leveza da libélula aceno para Umberto Eco que, agora, sobrevoa os lírios do campo e admira tamanha beleza.

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