Uma caixinha para guardar meu amigo Aécio

quarta-feira, 30 de março de 2016
Foto de capa

Tive o cuidado de escolher uma caixinha para guardar a lembrança de um amigo que foi embora, sem, pelo menos, ter tido tempo de passar uma mensagem de despedida pelo celular.

Quando fui abri-la, uma ideia escapuliu do bolso e me fez pensar que as recordações são como palitos de fósforo. Palitos de fósforo! Fiquei me perguntando enquanto atravessava ruas e avenidas. Fósforo, sim. Argumentavam meus botões inquietos. Por quê? Eles acabaram me respondendo já irritados de tanto eu insistir. Certamente, eles queriam, faziam questão, para melhor dizer, que eu mesma concluísse. Os fósforos iluminam o suficiente. Mas eu retrucava, sem entender bem a lógica. As velas iluminam mais, enquanto os fósforos... logo apagam.  

É bom ter a certeza das coisas. E, os botões, que certezas poderiam ter? Se, fossem de marfim, seriam nobres e estudados. Os meus? Ora, tão comuns que poderiam ser encontrados logo ali, na esquina. Eu não conseguia entender que eles queriam me dizer que o palito de fósforo, quando aceso, ilumina por um breve instante, tempo suficiente para nos possibilitar uma visão em 360 graus. Se o acendermos a alguns passos à frente, teremos outra visão. Cada palito pode nos mostrar uma posição, um ponto de vista. Uma suficiente noção para não nos deixar esbarrar em coisas sólidas demais que quebrem nossos joelhos ou aquosas em excesso que nos afogue.

As lembranças nos iluminam assim. Pouco a pouco. Com sutilezas. Se guardadas em caixinhas, como as de fósforo, podemos levá-las nos bolsos. Quem sabe nas bordas de chapéus. 

Caminhamos às escuras. Alguém sabe do que vai nos acontecer daqui a cinco minutos? Do que aconteceu há dois minutos ou há dez anos, sabemos bem. Mas no tempo que ainda vem... As lembranças nos ajudam a tatear o desconhecido.

Cada palito é como se fosse uma paisagem na imensidão passageira da vida; pode ser um olhar ou uma palavra, um voto de confiança ou um tom de desconfiança. Um não, que seja. As lembranças nos fazem perceber qual o tamanho dos passos que podemos dar, a rapidez com que devemos movimentar as mãos e a quem é possível dirigir um sorriso.  

Hoje, vou guardar meu amigo Aécio em uma caixinha de veludo encarnado, a cor vibrante do sangue. O pouco, aliás, o muito pouco, que me proporcionou vai iluminar o que ainda tenho a viver. Ele apenas acreditou e confiou em mim!

Este palito me é suficiente para que eu consiga andar em paz na corda bamba e me sinta à vontade para afirmar que se dermos um palito de fósforo assim a cada criança e adolescente, estaremos construindo um mundo melhor.

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