Um passeio entre campos de futebol e canteiros de lírios

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Noutro dia, no Rio de Janeiro, peguei um ônibus na Lagoa Rodrigo de Freitas. Eu bem que queria me sentar na janela para admirar a paisagem, mas como todos os lugares estavam ocupados, tive que ficar no único lugar vago: no corredor, em frente à porta traseira. Num ponto à frente, entrou um menino vestido com o uniforme de um time de futebol, carregando uma bola numa mão e um livro na outra. Ele, tentando se equilibrar, foi procurando um lugar e acabou sentando na escada traseira. Colocou a bola ao seu lado, abriu o livro sobre o colo e se entregou à leitura. Abstraiu-se de tudo e parecia não se importar com as pessoas que desciam do ônibus, apenas se encolhia para não atrapalhar a passagem.

Como não consegui vagar pela beleza do “espelho d'água”, observei aquele menino que estava tão bem ali, mesmo naquela estranha e inconfortável posição. E, reparando como estava aproveitando a leitura, comecei a pensar sobre o hábito de ler. 

O hábito é um comportamento que a pessoa apreende na experiência quotidiana através da compreensão do significado das respectivas ações. Aos poucos, através da repetição, vai assimilando-o e incorporando-o na vida diária. Apreender tem um sentido amplo e faz parte dos processos de apreensão. Isto é, uma pessoa pode aprender a ler e não desenvolver o hábito de leitura.

A construção deste hábito tem dois pontos de partida. O primeiro é o prazer. Eu encontrei nos gestos daquele menino uma grande satisfação. Pelo o que vestia, deveria estar saindo de um treino de futebol e lia sobre o assunto, pois na capa do livro havia um jogador fazendo embaixadinha. E, certamente, supus que adorava jogar bola.

O gostar não tem regras, ninguém pode dizer ao outro do que deve ou não gostar. É um sentimento espontâneo que precisa ser considerado pelos agentes de leitura, ou seja, os pais, os avós, os professores ou por qualquer pessoa do ambiente que convive com o leitor em formação e pretende nele desenvolver o respectivo hábito. O mais importante nesta tarefa são as oportunidades de leitura por meio das quais o gosto por assuntos vai se manifestando naturalmente, que sejam através de passeios entre campos de futebol e canteiros de lírios.

O segundo ponto de partida está relacionado aos processos de identificação. Isto é, se os pais são leitores e a criança convive com o hábito de ler em casa, será também um leitor. Minha mãe é uma devoradora de livros e fica bem agoniada quando termina um e não tem outro para ler. Eu não sou compulsiva como ela para ler, mas sou para escrever. E para escrever tenho que ler muito. E, agora escrevendo isto, me vem ao pensamento que, no fundo do meu psique, eu sempre quis escrever livros para ela ler.

O hábito de leitura pode ser construído em qualquer etapa da vida. Mas se durante a infância, cria vínculos na estrutura de ser do pequeno leitor e pode perdurar por toda a vida.

Aquela frase que é veiculada por aí “quem lê sabe mais” tem sabedoria. A leitura abre as portas do imaginário, mostra o mundo em toda sua totalidade, revela a vida em sua diversidade, amplia o modo de perceber sua própria existência. Quem lê torna-se uma pessoa melhor.

A leitura tem a magia da transformação!

O gosto pela leitura é tão particular como a individualidade das pessoas. Lê-se o que se quer. Eu conheci uma jovem que gostava de ler, principalmente rótulos de sabonetes, cremes e outros produtos do gênero. Quando adulta, tornou-se farmacêutica e hoje trabalha com cosméticos. E é bem feliz com a profissão.

Enfim, lendo de tudo um pouco, o leitor adquire desenvoltura e constrói o hábito. São processos que não acontecem do dia para a noite. Levam anos. Dia após noite. Continuamente.

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