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Somos frutos narrativos e fontes de narração
Hoje vou abordar um tema que há muito me chama a atenção: as narrativas. A narração faz parte da arte literária e constitui um desafio ao escritor; não é nada fácil criar uma narrativa atraente e interessante ao leitor.
A narrativa não é apenas literária, faz parte do quotidiano e tem caráter determinante na vida. Entretanto, ambas as formas estão intimamente relacionadas, de modo que a literária se entrelaça com a real e nela encontra fontes de inspiração, ricas em diamantes e turmalinas.
Vou, então, começar a escrever sobre as narrativas que decorrem da realidade, que são expressas de modo espontâneo sem a preocupação literária. E, para tal, vou contar um passeio que fiz com minha filha pela região de Lumiar. Ela já com mais de trinta anos e eu com mais de sessenta, vivemos e revivemos momentos de simplicidade, porém carregados de afetividade e intimidade. Numa quinta-feira, saímos cedo de casa e fomos para o Encontro dos Rios. Depois, seguimos para a Toca da Onça, em cujo caminho enfrentamos uma estrada de chão. Até aí, nada de mais, o problema que o carro era baixo e tive cuidados para não arrastá-lo nas pedras e ficarmos no meio do caminho, ermo durante a semana. A estrada passou lenta, porém inesquecível pelas conversas e risos que transbordavam da nossa relação; de mulher para mulher. Lá, fizemos caminhada em trilhas de subidas e descidas e nossos papéis se inverteram, minha filha tomava conta de mim, como eu dela, quando criança. Entre passos e tropeços, modificamos o modo de olhar uma para a outra e nos acolhemos de modo diferente. Naquela noite, fui dormir carregada de narrativas que me fizeram refletir sobre o ser mãe ao longo das várias fases das nossas vidas.
O sentimento de ser mãe é intrínseco a nós mulheres e vai mudando com o tempo, não somente pelo que vivemos com nossos filhos e com nós mesmas, mas pelas histórias que escutamos desde que nascemos, pelas, inclusive, que contamos. Até as que imaginamos. Ser mãe é uma experiência intensa e dinâmica; perdura a vida inteira.
Enfim, uma das maneiras que temos para expressar estes sentimentos e experiências é através de narrativas, contadas e recontadas por nós e por outros.
Somos interativos e temos a capacidade de narrar acontecimentos para mostrar afetos, comunicar e trocar impressões, influenciar, entreter, transmitir valores, informar e tantas coisas mais.
O passado nos foi contado pelas narrativas e nele fincamos nossas referências e identidades. Agora mesmo, olho para uma estante da minha sala que tem objetos que foram da vovó; minhas histórias e as da família se misturam com imagens. Neste momento, então, me sinto plenamente Tereza. Sou “narrada” por todos e por mim.
As narrativas são tão antigas quanto a existência do homem. Esteve presente em todos os tempos e lugares, registrando sua interação com a natureza e com outros homens, contando as histórias das civilizações e a de todos nós. Isto porque somos estruturados enquanto linguagem; o que nos permite diversas formas de comunicação, adaptação, cooperação e evolução humana.
As narrativas são intencionais; possuem sentido explícito e implícito. As familiares, por exemplo, têm a finalidade de mostrar as tradições e a cultura dos antepassados, já as folclóricas, aprofundam a identidade social e cultural de um país; ambas são passadas de geração a geração, na maioria das vezes, através da comunicação verbal, isto é, são transmitidas de boca a boca.
Tu és, já dizia Lacan. Somos narrados e contados. Somos frutos narrativos, emergimos das tantas histórias que escutamos.
Tu és, também dizemos, vida a fora. Somos fontes de narração.
Não somos ao acaso!
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