Penas de ganso

sábado, 16 de abril de 2016
Foto de capa

Adoro inventar palavras e acabei de fazer isso!

Mas por que inventar, se já não bastassem as mais de cem mil existentes? É que a gente tem que inventar quando quer dizer algo com tanta profundeza d’alma que não encontra uma. É mania meio doida de escritor. É doida porque entre as pedras da vida, conseguimos pinçar penas de ganso.

Nesta semana, dei uma palestra sobre narrativas no Sesc e fui assistida por um grupo de alunos do EJA (educação de jovens e adultos). Eles entraram na sala com cuidado para não esbarrarem nas cadeiras e falando baixo; não queriam ser mal-educados. Eu me senti bem feliz por cumprimentá-los e vê-los aguardar o início da palestra com jeito jagorançoso.

Quando comecei a falar, eles estavam retraídos. Aos pouco, foram entrando no assunto e mostrando o que a timidez escondia; aí senti a maciez das penas de ganso. Aqueles alunos enfrentavam de um tudo para saberem um pouco mais e que, talvez, nem pensavam nos esforços que precisariam ter para dar passos além.  Alguns não quiseram narrar fatos da própria vida, mas curtiam a satisfação em adquirir conhecimento. E, ainda, havia um aluno de cabelos brancos que não poupava sorrisos.

De repente, notei que na sala havia silenciosos e invisíveis heróis. Os olhos deles exclamavam “Já é!”. O sorriso daquele alegre senhor dizia “agora, realizo antigas esperanças”. E eu, aqui escrevendo esta coluna, cuidando para não atropelar minhas ideias, acabo por inventar a palavra “jagorançoso”; quis dizer que aqueles alunos eram responsáveis pela própria transformação, tão desejada; para alguns, por anos e anos.

O tema da palestra, as narrativas, tinha um significado longínquo do quotidiano deles, além de ser palavra pouco conhecida e de significado complicado.  Por sorte, a palestra tinha a intenção de mostrar que estamos mergulhados em narrativas e que somos consequência das histórias que narramos e escutamos, o que fez com que eles começassem a falar das próprias experiências e escutaram suas vozes.

Já no final da palestra distribui dois textos, colunas aqui publicadas sobre o tema, que foram lidos por todos; cada aluno leu um parágrafo, numa interação alegre, leve e feliz.

O tema também provocou memórias guardadas no fundo do baú a vir à tona, como o uso dos diários, aqueles em que foram guardados os papéis coloridos de balas e fios de cabelos.

Todos nós saímos vivos, com penas de ganso nos bolsos!

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