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O trovador tem asas de albatroz
Em maio deste ano, estava na praça Dermeval Barbosa Moreira ao lado de trovadores friburguenses e tantos outros vindos de fora, assistindo à inauguração da Alameda da Trova. Havia um clima afetivo, de alegria contagiante. E de paz. Estar ali, ao lado de poetas, pessoas que se sensibilizam com a vida, me fez um bem enorme, até que algo me chamou a atenção: a cidade em torno continuava a se movimentar, como se nada estivesse acontecendo. Indiferente. Como era final de tarde, estudantes passavam pela praça ou do outro lado da calçada sem notar o acontecimento. Muitos acompanhados de adultos, provavelmente pais e avós.
A inauguração da Alameda da Trova não foi um evento comum. Pelo contrário, um momento de significativa importância para a cultura da cidade. Então, uma constatação: os Jogos Florais não são valorizados como deveriam ser no lugar que os acolheu e os fizeram florescer no Brasil desde os anos 60, fazendo de Nova Friburgo o berço dos modernos Jogos Florais.
Fui para casa cercada de perguntas e com poucas certezas. Será que o povo se esqueceu de que a trova faz parte da história da cidade? Certamente, esta poesia caracteriza o sentimento poético que existe no friburguense ao reagir aos fatos, ao expressar sua alegria e dor. Criticar. Até brincar com as coisas da vida diária.
A cidade deveria fazê-la presente nas ruas, praças, escolas, cinemas, teatros e estabelecimentos comerciais. Se em cada esquina houvesse uma trova entalhada na madeira ou mesmo impressa numa placa de metal, tenho certeza que todos, principalmente as crianças e jovens, iam adorar ler e escutar estes poemas de quatro versos que contam histórias, mostram sentimentos ou descrevem situações com musicalidade.
Tal difusão certamente iria estimular o nascimento de trovadores. Os casais de namorados que ficam nos cantos da rua entre falas melosas, beijos e abraços não iriam sentir vontade de compor trovas? Recitá-las? Embelezar os momentos de romantismo com estes versos?
A trova é uma poesia formada por uma única estrofe, com sete sílabas simétricas que expõe uma mensagem de significado completo. Para compô-la, o trovador precisa gostar das palavras, transitar entre ideias e frases com habilidade, através das quais expressa seus afetos e descreve-os de modo simples e sutil. Como todo poeta, usa a linguagem escrita com criatividade. Ao compor estes pequenos versos, torna-se um albatroz; abre suas grandes asas sobre o papel e plana sobre a vida, a ponto de não mais sentir o peso do corpo. Levita. O trovador voeja com beleza.
O fazer destes versos não tem simplicidade alguma. É uma experiência literária delicada que exige o domínio da língua e a elaboração de um texto conciso que respeita a rima, a métrica e a tonicidade. O que requer o conhecimento da ortografia, gramática e figuras de linguagem em todas suas regras e exceções. Além do imenso vocabulário que o português guarda.
Para o apreciador, aquele que apenas a lê ou a escuta, a trova é uma oportunidade para observar a língua portuguesa estruturada e experimentar o quanto romântica é quando usada com genialidade e arte. Para, num breve momento, senti-la com prazer. Ou seja, é uma pessoa que aprecia ver a vida com o sentimento do poeta.
Vem cá, meu amigo, me deixe fazer uma pergunta no pé do seu ouvido. As trovas, por serem pequenas e recitadas em segundos, não seriam úteis na educação das crianças? Ora pois, os hábitos de higiene, a arrumação da bagunça ou a tabuada são apreensões muitas vezes cansativas e estas composições de quatro versos seriam boas aliadas aos pais e professores. Será que as trovas não ajudariam o estudo da tabela periódica? Das equações matemáticas?
Aqui, então, não poderia deixar de comentar que o aprendizado da nossa língua materna é difícil, às vezes penoso, devido a complexidade de sua estrutura, cheia de regras e exceções. E a trova tem meios de torná-lo agradável, uma vez que seus versos podem ser considerados como interessantes aulas de português.
O mais importante de tudo. A língua portuguesa precisa ser por nós considerada como um “valor” maior. Habitamos em nossa língua materna, casa que nos faz humanos e ser o que somos. Brasileiros.
É, além do mais, o trovadorismo faz parte do nosso folclore.
Então, meus amigos leitores, vamos cuidar da trova e dos trovadores como um patrimônio cultural, inspirador da nossa cidade.
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