O perfume dos alecrins

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Esta semana estive com a poeta e escritora de livros infantojuvenis Lila Maia, que me disse que todos os dias reverencia a poesia, ao ler de pé e em voz alta um poema. 

O poema é a relíquia que retira a venda dos olhos através de palavras cuidadas. 

Ferreira Gullar certa vez disse que a poesia nasce do espanto. Da realidade que, de repente, se desnuda, causando no poeta um sentimento que o toca no mais profundo de si, fazendo com que as palavras, não mais do que pedaços de emoções, cheguem tortas ao seu imaginário. Porém, tornam-se perfeitas quando as coloca num poema. 

Quem, em algum momento da vida, já não fez um poema?
Quem tem a vida pela frente, que seja um dia apenas, não se espanta?  
Ah, e o jovem precisa de poesia! Mais do que ninguém.
Então, me pus a buscá-las e me deparei com Fernando Pessoa:

Segue o teu destino...
Rega as tuas plantas;
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

Ah, o destino... Será que somos nós quem o construímos ou são as Moiras que tecem o fio da vida, determinando-a?
Acredito que somos nós. Dia a dia cultivamos nossos canteiros, cercados por milhares. Belos e sedutores. O que é sedutor, atrai. Camufla o que tem importância. Ofusca o que é de nós. 

Por sermos simples humanos e sobreviventes, precisamos esticar um pouco o olhar para reconhecê-los e encompridar os braços para fertilizá-los, num longo e sofrido aprendizado. Talvez este seja o aprendizado mais importante que precisamos ter, que não está nos bancos escolares e universitários. Que precisa começar cedo para que se entranhe em nossas vísceras, a ponto de se tornar parte de nós, como um coração pulsante.  

Certamente, um aprendiz atrasado terá menos agilidade para identificar as árvores alheias. 
É preciso descobrir o que nos pertence e o que não faz parte de nós. Certamente, é uma difícil descoberta, até porque as solicitações e influências externas são muitas. Extremas. É celular, é internet, são os apelos da moda, são os mitos irresistíveis, confundindo os valores com os desvalores. Misturando o meu eu com o do outro. Com o mundo. Enfim, os versos de Fernando Pessoa chamam a atenção para isso.

Prosseguindo a pesquisa de poesias, me deparei com outra pérola. De Camões.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soia.

Se no século 16, a mudança fazia parte da vida, que versos Camões escreveria se estivesse aqui e agora, entre nós? Estamos no centro das mudanças, o que é hoje, já não é amanhã. E as nossas plantas e rosas?! O quão difícil é para nós, e, principalmente para o jovem, proteger nossos canteiro do vendaval de transformações. Todos os dias surgem novidades. Vivemos no jardim das surpresas. Que nos torna repartidos. Bífidos. 

Ah, Camões e Pessoa são jovens. Não envelheceram. A poesia os salvou, não os deixou perdidos no tempo. No anonimato. Seus canteiros ainda são fertilizantes para os nossos. Fizeram rosas e plantas com raízes fortes. E tenho certeza de que existe uma infinidade de Camões e Pessoa viventes, agora, neste mundo. E a poesia pode nos acordar de um longo sono letárgico. 

Escrevi este texto na primeira pessoa do plural porque as crianças, os jovens, os adultos e os velhos pouco se diferem uns dos outros. Todos nós estamos em processo de evolução e saber quem somos é uma etapa importante deste ir adiante.  

Ah, ia me esquecendo. Soia. O que será? Pesquisar palavras faz bem, nos ajuda a sentir o perfume dos nossos alecrins. 

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