Colunas
Jurema e a biblioteca encantada
Sempre que vou me preparar para escrever uma coluna, um número sem fim de ideias passeia pela minha cabeça. A cada piscar de olhos, uma se apresenta iluminada, como se estivesse num palco querendo se apresentar. Isso porque a literatura tem um universo inesgotável de questões a serem abordadas e todas têm importância.
Mas hoje, uma ideia se apresentou mais colorida, como se estivesse encantada, trazendo de cenário um bosque cheio de árvores frutíferas que alimentam, cujas sementes são levadas pelos passarinhos que vão fazendo-as germinar pelos quatro cantos do mundo. As árvores são as histórias. Tão antigas quanto a existência do homem na terra. E as bibliotecas as guardam. Não com chaves, nem cadeados. Mas cuidam de cada uma com zelo, para que os olhos leitores as leiam, se envolvam com os personagens, reflitam. Se deixem seduzir.
E, aí, vou falar apenas de uma biblioteca: a biblioteca da Jurema. Era assim que os alunos se referiam àquele lugar que pulsava como um coração da escola. Para falar a verdade, a biblioteca era até uma sala pequena, ventilada por janelas, com paredes brancas e piso de madeira. Havia muitas estantes que guardavam livros, a maioria usados. Porém todos cuidados.
Jurema não era bonita, nem alta. Mas tinha um sorriso e uma voz doce. Nunca vi Jurema gritar. Nem reclamar dos alunos, que eram assim ou assado. Eram pessoas que precisavam de atenção e afeto. E ela se preocupava com as dificuldades que eles tinham e, por isso, fazia mil e uma coisas para atrai-los. Porque lá eles se sentiam bem. Uma vez, não sei como conseguiu, fez uma história usando os títulos dos livros e colou tiras de cartolina por todos os corredores da escola com frases incompletas da história. Muitas com interrogação. Ora, não precisou de mais nada. Os alunos iam lá querendo saber do que se tratava. E acabavam pegando os livros e lendo na hora do recreio, ao invés de brincar, jogar vôlei ou futebol.
Não havia uma hora do café dos professores que ela não passava por lá para trocar ideias e, assim, as pesquisas de história, geografia, ciências acabavam sendo feitas lá. E, ela, junto com a professora, ia de aluno em aluno, de grupo em grupo, tirando dúvidas, sugerindo leituras, corrigindo o que escreviam.
Como ela gostava de contar histórias, convidava autores para conversarem com os alunos sobre suas obras. E era o máximo. No dia de visita, não se falava de outra coisa.
Eu trabalhava nessa escola como orientadora educacional das turmas do ensino elementar, hoje da primeira à quinta série. E, logicamente, estava sempre lá, na biblioteca, fascinada com o trabalho que fazia. Jurema conhecia todos os alunos, sabia dos seus interesses por leituras e nunca a vi querendo definir seus gostos. Pelo contrário, ela sempre queria oferecer um livro especial a cada um.
Tenho certeza de que a escola formou leitores, conseguindo boa aprovação nos vestibulares. Jurema não precisava dar notas, nem conceitos. Ela amava seus alunos e eles consideravam aquele pequeno espaço como deles.
Ali os livros de literatura se misturavam com livros de conteúdo escolar, com revistas e jornais. Volta e meia ela pedia para que os alunos criassem histórias ou escrevessem a própria. Na biblioteca eles liam textos de dramaturgia (teatral) e os construíam também, cujas peças eram encenadas. E como eles adoravam.
Naquela sala pequena, escutando a doce voz da Jurema e vendo seu sorriso, eles conheceram um pouco do mundo em que viviam. Ali, eles leram os clássicos da literatura, os livros atuais, desenvolveram o gosto pela leitura de jornais e revistas.
E, posso dizer, na biblioteca da Jurema não tinha nada de especial. Pelo contrário, tudo era bem comum. Mas tinha o aconchego, fazendo com que cada aluno se sentisse acolhido. A leitura tem o poder de abraçar o leitor em sua trajetória existencial.
Há muito tempo que não tenho contato com a Jurema, até porque a escola acabou e todos nós que lá trabalhamos nos dispersamos. Mas algo ficou em mim: a biblioteca encantada da Jurema.
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