Entre alfaces, crianças e morangos

sexta-feira, 25 de março de 2016
Foto de capa
(Foto: Arquivo pessoal)

Somos frutos narrativos e fontes de narração. Não somos ao acaso.

Viver é uma viagem. Quando nascemos, aportamos num cais de terras desconhecidas e fincamos os pés num porto, sem ao menos saber o que existe a dez passos à frente. Aos pouco vamos entendendo o que nos falam e entramos no mundo soletrando.

 É neste momento de chegada que hoje dedico minha coluna. Para tal, vou narrar a visita que fiz à Escola Municipal José Alves de Macedo, localizada em Conquista, na Fazenda Rio Grande, Nova Friburgo.

Minha animação começou pela companhia de amigos que guardo em caixas de veludo. Um deles, o prof. Robério Canto, foi homenageado, pois a sala de leitura da escola traz seu nome. Os outros, o Ordilei, amante das letras e Ana, da educação. A afinidade corria em nós como energia vibrante.

Meu encantamento abraçou o lugar. Deu-lhe beijos estalados. A fazenda do Rio Grande é privilegiada pela natureza, basta dizer que está situada no Parque Estadual dos Três Picos, onde ainda a Mata Atlântica é preservada. A região além de ser agrícola e uma das mais produtivas do país, oferece oportunidades ao montanhismo e ecoturismo.

O solo acolhe um povo cuidador de terra. Foi bonito ver os campos verdes plantados, os morros arados e gente trabalhando; foi bom sentir a paz, o sol esquentar os ombros e o acontecer de um dia comum; foi um amadurecimento reconhecer a simplicidade, a convivência e o trabalho como o grande trunfo da vida.  

As histórias da fazenda e da escola, entrelaçadas, também me trouxeram admiração. Segundo me contaram, a fazenda faliu e o proprietário pagou aos trabalhadores da fazendo com terra. Estes, por sua vez, se tornaram produtores e ali construíram família. Certamente, a escola surgiu para oferecer educação básica às crianças, o que ofereceu vantagens, como o fácil acesso e o vínculo da população agrícola à terra. Inclusive em fase educacional posterior, as escolas de ensino médio da região, são profissionalizantes em técnicas agrícolas.

O apego à terra é saudável e quem vive na cidade não tem sentimento semelhante; os valores e os modos de viver do citadino e do camponês são diferentes. Não quero compará-los, nem julgá-los, até porque vivo lá e cá e conheço bem suas particularidades. Apenas me permito fazer tal constatação, diante das faces rosadas e lábios sorridentes que vi nas pessoas dali.

O prédio da escola original foi danificado na tragédia de 2011, quando a região do Campo do Coelho foi tragicamente afetada. O prédio, hoje utilizado, é emprestado; e a prefeitura, juntamente com o apoio da comunidade, está construindo uma nova sede, causa de grande animação dos que ali trabalham.

Ah, aquela pequenina e adaptada escola é um magnífico lugar pela capacidade e esforços da diretora, Martha Rachel, da dirigente Érica Mauro, dos professores Rodrigo, Rita, Daniele, Josiane e Renata, da cozinheira Leila que realizam um trabalho cuidadoso, superam dificuldades e transformam impossibilidades em possibilidades. Imaginem que a equipe fazia ovos de páscoa na cozinha; ralavam, derretiam e colocavam o chocolate nas formas, depois os embrulhavam com laços de fita.

E a menina dos olhos dourados de todos? É a sala de leitura. Repleta de livros. Muitos Livros. E, os alunos? Leitores! Que felicidade.

As crianças educadíssimas, como diria José Dias, de Machado de Assis. Participativos e afetivos. Sabiam conversar, falar e ouvir. Faziam questão de mostrar para nós seus trabalhos com orgulho, sob o olhar brilhoso dos professores e sorriso confiante da diretora.

Senti gosto de ver como os alunos eram cuidados pelas famílias; chegavam na escola bem vestidas e penteadas, os meninos com gel nos cabelos e as meninas com presilhas. Havia uma de dois anos com um conjunto de brincos, colar e pulseira de pedrinhas vermelhas. Uma graça! Não havia um aluno desarrumado. Afirmo e confirmo.  

Mas voltando para as narrativas. Ao longo da visita, escutávamos dos professores, da diretora e até dos próprios alunos, relatos sobre a vida e modos de viver da comunidade. Eram narrativas espontâneas, que contribuíam para a construção da identidade de cada um e aprofundavam o ser camponês. Reproduziam a cultura.

Aquele dia vivenciei uma experiência digna! Aquela comunidade escolar é a expressão da consciência que o cidadão tem do valor da vida, da colaboração e do trabalho.

Ainda, por cima, saímos de lá carregados de hortaliças, legumes e chocolates. À noite, fomos dormir vivificados!

Com esta emoção, com gosto de chocolate e cheiro de morango, desejo feliz páscoa a todos!

Foto da galeria
(Foto: Arquivo pessoal)
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