“Coloridores de arco-íris”

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Hoje, vou me deter num assunto que me chamou a atenção na Bienal do Livro: os livros para colorir. Uma febre das altas, daquelas em que o mercúrio dos termômetros dispara. Tão grande que para onde olhava, eu os via. Ia pelas alamedas do Riocentro, perguntando aos meus botões, são livros? Ora pois, são cadernos. Aí, está certo. Cadernos para colorir. Cadernos são folhas enfeixadas, preparadas para receber registros. Anotações, relações de coisas e escritos. Diários. Informações. Desenhos. São para tudo isso e algo mais, como folhas em branco para fazermos o que bem quisermos a título de entretenimento. Além do que são necessários em nossas vidas, mesmo em plena era da informática.  

E os livros para colorir que vi na Bienal não eram livros!

Em livros as ideias são conservadas através de palavras e imagens, resultado de uma produção inteligente e sensível. Possui finalidades definidas, como zelar valores, preservar conhecimentos, registrar acontecimentos. Contar histórias. Guardar poemas. Divertir.

Entretanto, não posso deixar de admitir que há cadernos tão especiais quanto livros que guardam relíquias, como o Diário de Anne Frank, que foi escrito num caderno, durante a segunda guerra mundial, em Amsterdã.

Os cadernos podem ser pontes para livros. Um bom começo. Pelo menos para anotar impressões, ideias ou até mesmo palavras, como os pequenos, de bolso, usados para que nada seja perdido ao vento. Rubem Alves os utilizava.

Há muitas razões para esse modismo. Todavia, o desenhar e o colorir nunca foi uma tendência; sempre fez parte da cultura humana. A criança entra na vida desenhando e colorindo. E adora. Contudo, na medida em que cresce, vai mudando esse gosto até quase esquecê-lo, num completo desuso. Somente os artistas dos traços é que se debruçam sobre as cores.

Dizem que os cadernos para colorir reduzem o estresse. Concordo. E encantam as crianças. Certa vez, vi uma menina diante de uma enorme caixa de lápis de cor; ela e os lápis estavam misturados. A caixa se exibia para que os lápis brilhassem até que a menina escolhesse um e o fizesse deslizar suavemente sobre o papel. Nunca me esqueci desta cena que aconteceu há mais de vinte anos!

Esses cadernos me trazem à imaginação os caleidoscópios, cujas formas e cores, configuradas através das imagens espelhadas dos pequenos fragmentos coloridos, são belíssimas e nos oferecem a possibilidade de abstração da realidade e pensar com liberdade. Encontrar nossos segredos.  Ah! se vivêssemos dentro desses tubos, girando, seríamos ora verde e azul, ora furta-cor e nos transformaríamos em arco-íris!

E, agora, pensando bem, é preferível compartilhar o tempo livre com os cadernos para colorir, do que ser sequestrado pelo mundo virtual, sem a possibilidade de admirar o esplendor da estrela d’alva.

Além do mais, colorir nos oferece uma viagem gostosa e criativa. Que cor vou usar? Qual tom? Que misturas vou fazer? E, assim, vamos nos lambuzando de tinta e viajando pelas varandas da arte. 

A criança e o adolescente precisam sair um pouco da ditadura do mundo das máquinas eletrônicas. Vai lhes fazer bem. Desenhando e colorindo vão descobrindo as imagens que gostam. Delineando-as. Observando as cores para ir ao encontro de suas preferências. Sentir os tons. E, então, vão poder descansar nos pés de Portinari. Picasso. Miró. 

Mas não modifico minha indignação. Cadernos para colorir não são livros! Amenizo-a. Apenas porque o devanear sobre desenhos e cores podem estimular a imaginação dos “coloridores”. Além do mais, quando as cores os fazem se ausentar de tudo e todos pode ser um descontraído momento em que o pensamento paira sobre as dunas de algodão e vislumbre o melhor deles.

Os mais belos livros de literatura infantil, como a Dama e o Vagabundo foram escritos de modo imagético: quando o leitor visualiza cenas com perfeição de detalhes. Ou seja, o escritor desenha com frases e colore com palavras. Mas para chegar a esse nível de escrita, ele vai ter que se aperfeiçoar: ler muito, escrever exaustivamente, pesquisar com profundidade.

 E, ao descansarem, podem ser “coloridores” para que quando recomecem a escrever estejam transformados em arco-íris! 

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